quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cavalinho (fontanário)

O FONTANÁRIO DO CAVALINHO


Elegante e de grande beleza, não passa despercebido o fontanário que se encontra no Largo do Cavalinho, em Gondar.


Fontanário do Cavalinho, em Gondar - Amarante
Construído para dar de beber aos muitos feirantes que acorriam às feiras que aí se realizavam, bem como aos animais, sobretudo aos bovinos, que aí eram vendidos, o fontanário ocupava, outrora, o centro do largo. Repare-se que ele foi desenhado para poder ser acessível pelos quatro lados. Recentemente, e já depois de a feira deixar de se realizar, foi deslocalizado e encostado a uma parede, perdendo parte da sua graça. A razão foi o alargamento e rebaixamento da estrada nacional.
Desconhecemos a data da sua construção, mas pelo material utilizado, o ferro fundido, remonta à chamada “arquitetura do ferro”, que se desenvolveu, em Portugal, na segunda metade do séc. XIX. Note-se, também, nas letras O.P. (Obras Públicas) que figuram numa das faces do fontanário, o que quer dizer que se trata de uma obra do Estado e não da autarquia ou de privados.
O facto de ser único no género no Concelho de Amarante, é mais uma razão para a sua preservação.
Gostaria de o ver jorrando água pelas suas quatro bicas, como recordo de o ver quando era miúdo e, como eu, tantos gondarenses.

Miguel Moreira

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Feira do Cavalinho/Feira dos Burros


A “FEIRA DOS BURROS”


Estamos em Abril e era em Abril que, no Cavalinho, para além das habituais feiras a 12 e 28 de cada mês, se realizava, no dia 29, a feira anual conhecida por “Feira dos Burros”. Nesta, em vez do gado bovino e suíno, os “reis da festa” eram os asininos.

Feira dos Burros - Cavalinho (Gondar)

A tradicional “corrida dos burros”, muito concorrida, era a grande atração, para gáudio e divertimento dos feirantes e da populaça. O vinho verde da região, servido nas tradicionais canecas e acompanhado por um naco de anho assado ou pelo biscoito da Teixeira, ajudava a animar a festa.

"Feira dos burros" em Cavalinho - Gondar (1995)

Até final dos anos 90 do século passado, como esta imagem de 1995 o documenta, esta feira atraía multidões para assistir à tradicional corrida de burros e cavalos. Hoje, apenas algumas dezenas se deslocam ao Cavalinho no dia do evento. Sinais dos tempos...!!!

Texto de Miguel Moreira
Fotografia de Alberto Rocha

terça-feira, 28 de abril de 2020

Linhagem dos Gundares


A ILUSTRE LINHAGEM DOS GUNDARES


O “Livro de Linhagens do Conde D. Pedro” (1), no seu Título LX, dedicado aos Gundares e à sua descendência, diz que “Dom Mem Gundar foi natural das Astúrias e veio com o Conde D. Henrique a Portugal; foi cavaleiro mui bom e mui honrado; jaz em Tolões; casou com uma Dona de Galiza, que havia nome D. Goda, e fez nela:
D. Fernão Mendes de Gundar;
Lourenço Mendes de Gundar;
D. Egas Mendes;
Dona Estevaínha Mendes, molher de Pedro Mendes de Aguiar;
Dona Loba Mendes, molher de Diogo Bravo de Riba de Minho;
Dona Urraca Mendes, molher de Alvite Guedes.”

Tendo desempenhado um relevante papel no contexto da Reconquista e repovoamento do território na margem esquerda do Tâmega, Mem Gundar fundou o Mosteiro de monjas bentas de Santa Maria de Gondar, na dependência do qual estiveram outros dois mosteiros: o de Lufrei e o de Santa Maria Madalena do Covelo. O de Gondar teve como patronos os próprios “milites” (cavaleiros) de Gondar (Inquirições de 1258) e tornou-se o panteão privado da família.
Mem Gundar jaz em Telões, no mosteiro Beneditino, e foi ele quem iniciou a linhagem de quem descendem os “Motta”, os “Rego” e, ainda, com ligações muito fortes aos “Pinto”.

 D. Fernão Mendes Gondar, primogénito de Mem Gundar, “ foi hum dos mais valerozos cavaleiros do seu tempo; ao Rei D. Afonso Henriques acompanhou na batalha do Campo de Ourique, e outras”. Casou-se com D. Maria Annes de quem teve dois filhos, um deles Gomes Fernandes de Gondar que casou com uma filha do alcaide de Celorico de Basto de quem teve um filho chamado Rui Gomes Gondar, apelidado “da Motta”, o primeiro a adoptar este apelido.
Brasão dos "Motta"
Quanto à origem do apelido, as opiniões divergem: uns dizem que o “tomou de sua Quinta da Motta, onde teve solar na freguesia de Vila Chã do Marão” (2);  outros dizem que o nome lhe advém da  quinta que possuíam no lugar da Mota, em S. Miguel de Fervença, Celorico de Basto. Controvérsias à parte, o certo é que é com ele que se inicia a linhagem dos “Motta”.
Um dos mais ilustres da família “Motta” foi Jerónimo da Mota. Viveu no tempo de D. João III, do qual foi desembargador e Juiz dos Feitos da Real Fazenda. Estudou em Siena, tendo concluído os estudos de forma brilhante. A “Senhoria” de Siena elegeu-o seu juiz em todas as causas cíveis, cargo que exerceu com excelência, e armou-o cavaleiro da milícia dourada de Siena. Em troca dos seus feitos, a “Senhoria” deu-lhe por armas as insígnias que ela própria usava, o leão coroado de Siena. Assim, D. João III, por carta de dois de Janeiro de 1552, acrescentou as suas armas, esquartelando-as com as da Senhoria de Siena: as cinco flores de lis dos Mota e o leão coroado de Siena.

Outro filho de Mem Gundar, D. Egas Mendes de Gundar casou com Maior Pais Pinto, filha de Paio Soares Pinto. Tiveram um filho, Rui Viegas Pinto, que viveu no tempo de D. Afonso Henriques e D. Sancho I e possuía vários casais na terra da Feira por dote de sua mãe. São eles que dão continuidade à família dos “Pintos”, iniciada por Paio Soares Pinto. O seu filho Gonçalo Rodrigues Pinto e os que se lhe seguiram moraram na quinta de Torre de Chã (3) em Riba de Bestança, Ferreiros de Tendais (Cinfães). O brasão da família com “cinco crescentes vermelhos” é uma alusão clara às batalhas contra os Mouros. No século XVI, a família Pinto adquiriu a Quinta da Torre da Lagariça (4), um robusto torreão militar, no concelho de Resende, que viria a ser imortalizado na obra de Eça de Queirós, “A Ilustre Casa de Ramires”.

Torre da Lagariça - Concelho de Resende
Também a família “Rego” tem origem em Egas Mendes Gundar. O nome inicia-se com Pedro Viegas do Rego (5), seu outro filho, e continua com Lourenço do Rego, filho de Pedro. O apelido julga-se ter origem na Honra com o mesmo nome, no lugar de Lordelo, Concelho de Lanhoso ou, segundo outros, na quinta do Rego, em Celorico de Basto. O brasão de armas dos “Rego” foi-lhes concedido por D. Afonso III, em 1276.

Já Lourenço Mendes de Gundar, outro filho de Mem Gundar, casou com Dona Elvira Origues de quem teve dois filhos: a filha, D. Teresa Lourenço que foi Abadessa do Mosteiro de Gondar; e o filho, D. Pedro Lourenço que foi Meirinho-Mor de D. Sancho II (1235) e “...tenens da Terra de Penaguião (1236) e da Terra de Baião (1246-1250).

Paço de Dona Loba em Padronelo - Amarante
Dona Loba Mendes, uma das filhas de Mem Gundar, terá mandado construir a Torre de Mormilheiro para sua própria residência. Casada com Diogo Bravo de Riba de Minho, por falta de Sucessão, terá chamado seu sobrinho, D. Fernão de Sousa, de Mogadouro, de quem descendem os Condes de Redondo, “senhores” do Concelho de Gouveia e Comendadores da Comenda de Santa Maria de Gondar, no século XVII (6).
A importância dos Gundares não se fica pelos nomes enunciados. Muitos outros mereciam figurar nestas linhas. Só não o fiz para evitar que o texto se tornasse demasiado longo e fastidioso para os leitores.
Miguel Moreira

(1)- Portugaliae Monumenta Histórica, “Livro de Linhagens do Conde D. Pedro”, ed. crítica de José Mattoso, Vol. II/1, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1980.
(2)- “Archivo Histórico de Portugal”, n.º 26, 1.ª série, Janeiro de 1890.
(6)- P.F. de A.C. de M. “História Antiga e Moderna da Sempre Leal e Antiquíssima Vila de Amarante”, Londres, 1814, pág. 18.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Casa da Câmara de Ovelha do Marão


PORTAL DA CÂMARA DE OVELHA DO MARÃO


A História política e administrativa de Ovelha do Marão é, a meu ver, uma das mais interessantes do concelho de Amarante. Ao longo dos tempos, conheceu várias formas de poder e administração local, bem como passou por diversas denominações: Santa Maria de Bobadela, Abobedela, Ovelha do Marão, Ovelhinha e, finalmente, Aboadela d’Ovelha do Marão.
Atribuído por D. Sancho I, recebeu o seu primeiro foral, em 1196, e, em 1514, no âmbito dos “forais novos”, D. Manuel I concede-lhe novo foral.
Com destaque na sua evolução política, refira-se que Ovelha do Marão, desde meados do século XV e até 1550, foi “Beetria”, uma das poucas (dez) do Reino. As Beetrias concediam às populações estatutos especiais, nomeadamente a liberdade de poder escolher e mudar de “senhor”, sempre que assim o desejassem. O mesmo não acontecia com os coutos ou as honras.

D. Luís António Sousa Botelho
Em 1550, D. João III extingue esta forma de administração local, a beetria, e Ovelha do Marão converte-se numa “Honra”, associada ao conceito de concelho.  É precisamente após a implementação desta nova forma de administração local que se constrói, junto à ponte de Fundo de Rua, o pelourinho e a Casa da Câmara com a respetiva Cadeia. 
Sob administração direta da Coroa até 1756, a Honra de Ovelha foi doada, a 18 de Junho daquele ano, a D. Luís António de Sousa Botelho, IV morgado de Mateus (1722-1789), que, após a sua morte, a transmitiu ao seu filho, D. José Maria do Carmo de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, V morgado de Mateus (1758-1825). É da época destes ilustres senhores da Casa de Mateus (1) que data o portal brasonado existente na antiga Casa da Câmara.

Portal brasonado da Câmara de Ovelha do Marão - Aboadela
O portal, em estilo barroco, confere dignidade ao edifício e evidencia o prestígio e poder que a Casa de Mateus possuía. Recorde-se que o Solar de Mateus tinha sido construído havia pouco tempo e a capela do solar é inaugurada em 1759, precisamente por D. Luís António de Sousa Botelho. Em Amarante, para além de senhores da Honra de Ovelha do Marão, foram administradores dos Morgadios dos Moreleiros e de Fontelas.
Voltando ao portal, registe-se a sua ampla porta em arco abatido, ladeada por duas pilastras toscanas sobre as quais assenta o frontão. Neste, à boa maneira barroca, predominam as linhas curvas e contra-curvas, conferindo-lhe ritmo e dinamismo. No centro, bem saliente, o brasão de armas dos "Sousa Botelho" da Casa de Mateus. Duas ameias e dois pináculos, um par de cada lado do frontão, completam este belo portal, orgulho das gentes da terra e exemplo de boa preservação do património.
Miguel Moreira
(1)- Sobre os Morgados de Mateus, consultar: 
http://www.casademateus.com/fundacao/bases-de-dados/administradores-da-casa/


segunda-feira, 20 de abril de 2020

Capela de Nossa Senhora da Conceição (Aboadela)


CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
Lugar de Rua – Aboadela

Mandada construir por Baltazar Gonçalves e sua esposa, Ana André, no ano de 1639, a Capela de Nossa Senhora da Conceição situa-se a meio da rua de Ovelha e Honra do Marão, em Aboadela. O facto de a Igreja Paroquial se situar na parte alta da freguesia, e porque, durante o inverno, naquela região do Marão o clima era demasiado rigoroso para os fiéis que teriam de subir a íngreme encosta até à Igreja, terão sido as razões para a sua construção. Desta maneira, os fiéis podiam participar nos actos litúrgicos num local mais próximo e central, para além de ser, certamente, o lugar mais populoso da freguesia. Nesta capela que, segundo Craesbeeck, apesar de pequena era "a melhor que há na dita honra", era celebrada missa quotidianamente.

Capela de N. S.ra da Conceição (1.º plano à esquerda), em Aboadela
Obedecendo aos cânones renascentistas, a capela exibe, sobre a ampla porta de entrada, um arco de volta plena, com remate em empena da respetiva fachada e apresentando as fachadas laterais remate em cornija. De notar, também, a qualidade, de fino grão, do granito utilizado e o seu esmerado talhe.
De planta retangular e de uma só nave, a capela prima pela sua simplicidade e harmonia, bem ao gosto renascentista. No interior, onde se acede por dois degraus, encontravam-se, segundo Craesbeeck, três campas "com letreiros que disem: huma = de Baltesar Gonçalves; outra = de Anna Andre; outra = de Gaspar Ramalho".
De notar, ainda, que o ano da sua construção, 1639, aproxima-se da data em que foi construído o cruzeiro à entrada da ponte, 1630, o que me parece não ter sido mera coincidência.
Em 1726, Craesbeeck refere-se a esta capela num texto que, pelo seu interesse, passo a transcrever: "A capella de Nossa Senhora da Conceipção he pequena, mas he a melhor que há na dita honra. Está junto às casas de Manoel Teixeira Botelho e há nella missa quotidiana, porque a instituiu e mandou fazer com a dita obrigação Balthesar Gonçalves e sua mulher Anna Andre, no anno de 1639, como consta de hum letreiro deficultoso de ler, que está sobre a porta della, no arco de pedra, na forma seguinte:
ESTA. CAPELLA. MANDOU. FAZER. BALTHEZAR. / G(ONÇA)L(V)E(S). E SUA. MOLHER. ANA. ANDRE. CO(M). MI(S)A. C(U)OTIDIANA. / 1639." (1)
Também a "Memória Paroquial" de Ovelha do Marão, redigida, em 1758, pelo Padre Alexandre Pinto da Silva, refere esta capela, aqui designada como "Ermida da Senhora da Conceição" e pertencente a Manuel António de Sousa.
Na posse de particulares, a capela, encontra-se, atualmente, desafeta do culto litúrgico e convertida em armazém agrícola. Louvo, no entanto, o facto de a fachada principal se encontrar bem conservada e o proprietário ter mantido a porta principal em madeira, condizente com a importância do imóvel.

(1)- Craesbeeck, Francisco Xavier da Serra, "Memórias Ressuscitadas da Província de Entre Douro e Minho No Ano de 1726", Ed. Carvalhos de Basto, vol.II, pág. 312-313.

Para mais informação: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aboadela
Miguel Moreira

domingo, 19 de abril de 2020

Anta de Chã da Parada


ANTA DE CHÃ DA PARADA (ABOBOREIRA)


Construído durante a primeira metade do III milénio a. C., este monumento funerário pré-histórico faz parte de um conjunto de quatro outros exemplares pertencentes à denominada Necrópole megalítica da Serra da Aboboreira.



Anta de Chã da Parada (Aboboreira) - foto Rota do Românico
A mamoa encontra-se inserta num tumuli de terra, com cerca de 25 m de diâmetro, e apresenta-se revestida por material pétreo. A câmara, de planta poligonal, é constituída por oito esteios laterais e um de cobertura, este último de consideráveis dimensões. De planta sub-rectangular, o corredor é relativamente curto, com cerca de 3,70 m de comprimento.
Uma das particularidades desta mamoa reside na presença de um conjunto de pinturas nos seus esteios, todas elas executadas a vermelho, compreendendo motivos esteliformes e circulares, além de um sub-rectangular de base trapezoidal e apêndice lateral encurvado.
Classificado como Monumento Nacional pelo Decreto de 16-06-1910, DG, n.º 136, de 23-06-1910.
Outras designações: Anta de Chã da Parada / Dólmen da Fonte do Mel / Casa da Moura de São João de Ovil / Casa dos Mouros / Cova do Ladrão. 

Bibliografia

JORGE, Vitor Oliveira, Megalitismo do Norte de Portugal: o distrito do Porto - os monumentos e a sua problemática no contexto Europeu, (dissertação de Doutoramento), Porto, 1982, p. 549, 571 - 572, nº 30, 31, 32 e 33, 581, 583 - 586; 
SILVA, F. A. P. da, Escavação da mamoa 3 de Chã de Parada, Serra da Aboboreira, Concelho de Baião, 1982-1983, Arqueologia, nº 11, p. 39 - 51, Porto, 1985; 
JORGE, Vitor Oliviera, e MOREIRA, M., A escavação da mamoa 4 de Chã de Parada (Baião 1987), Arqueologia, nº 16, p. 40 - 50, Porto, 1987; 
JORGE, Vitor Oliveira, e BETTENCOURT, A. M. S., Sondagens arqueológicas na mamoa 1 de Chã de Parada (Baião 1987), Arqueologia, nº 17, p. 73 - 118, Porto, 1988; 
SOUSA, O., As pinturas rupestres de mamoa 3 de Chã de Parada - Baião, Arqueologia, nº 17, p. 119 - 120, Porto, 1988; 
JORGE, Vitor Oliveira, Novas escavações na mamoa 1 de Chã de Parada - Baião, Serra da Aboboreira, 1990, Trabalhos de Antropologia e Etnologia, vol. XXXII, fasc. 1 - 4, p. 173 - 200, Porto, 1992; 
Património Arquitectónico e Arqueológico Classificado, Inventário, Lisboa, 1993, vol. II, Distrito do Porto, p. 16.


Miguel Moreira

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Casa da Ferreirinha - Padronelo


A CASA DA “FERREIRINHA” EM PADRONELO


Dona Antónia Adelaide Ferreira, conhecida proprietária da região Duriense, teve uma forte ligação com a estrada pombalina que percorreu inúmeras vezes ao longo da sua vida. A sua atividade profissional exigia que repartisse o seu tempo entre o Douro, onde possuía dezenas de quintas, e a cidade do Porto, onde, com bastante frequência, se se deslocava para tratar dos negócios relacionados com o vinho do Porto.

Casa da Ferreirinha em Padronelo
Nascida na Régua em 1811, Dona Antónia, a “Ferreirinha” como era conhecida, levou toda uma vida dedicada ao Douro. Durante a sua vida, abateu-se sobre a região o maior flagelo que o Douro alguma vez conheceu: as vinhas foram atingidas por uma praga, a filoxera, uma doença provocada por um inseto que sugava, secava e matava as raízes das videiras. Era urgente encontrar uma solução rápida e eficaz. Dona Antónia não se acomoda e desloca-se a Inglaterra para se informar sobre os meios mais modernos e eficazes para combater a praga. A solução passou por utilizar raízes de videiras americanas, imunes ao ataque da filoxera. Ao mesmo tempo que renova a vinha, adota processos mais sofisticados de produção de vinho e investe em novas plantações.
A partir daí a produção de vinhos do Douro não pára de aumentar. Os vinhos eram transportados em pipos de madeira até ao Porto (mais concretamente Vila Nova de Gaia) onde era armazenado nas caves para serem exportados. 
Figura incontornável do Alto Douro vinhateiro, esta mulher, símbolo do empreendedorismo duriense, construiu um enorme império ao longo do século XIX. Para o gerir, repartia o seu tempo entre a Régua, onde residia, e a cidade do Porto, onde possuía um palácio no Largo da Trindade e tratava dos negócios relacionados com a exportação dos seus vinhos. Nas suas deslocações à cidade invicta fazia-o, a maior parte das vezes, pela estrada pombalina que, por Mesão Frio e Amarante, ligava a Régua ao Porto. A viagem por barco era muito morosa e perigosa e o combóio só chegou à Régua em 1879.

Palácio da Ferreirinha no Largo da Trindade - Porto

Apesar de construída recentemente (finais do séc. XVIII), a estrada pombalina, sobretudo entre Mesão Frio e Amarante, era muito sinuosa e com declives bastante acentuados. A viagem demorava alguns dias e era necessário pernoitar pelo caminho. Para o efeito, a Ferreirinha possuía algumas casas ao longo do percurso. Uma delas era em Padronelo, o que lhe permitia descansar para a dureza da viagem pelo Cavalinho e Reboreda fora até aos Padrões da Teixeira e, depois, até à Régua. Com 27 compartimentos, distribuídos por quatro pisos, a moradia possibilitava a acomodação de toda a comitiva de Dona Antónia que não seria pequena.Virada a nascente, com a serra do Marão no horizonte e próxima do rio Ovelha, possui vistas deslumbrantes para o Marão e para o vale. 
A casa ainda lá está, abandonada e em ruínas, com certeza com muita história e estórias para contar.

Miguel Moreira

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Cruzeiro do Mosteiro de Gondar


O CRUZEIRO DA IGREJA DO MOSTEIRO DE GONDAR


“Aos treze de Abril de 1455, em Lisboa, confirmou o Arcebispo a Igreja de St.a Maria de Gondar da terra de Gestaço a Pedro Afonso clérigo de missa a apresentação do dito Senhor Arcebispo e sua igreja de Braga, a qual vagou por morte de Inês Borges D. Abadessa que foi da dita Igreja sendo mosteiro de S. Bento e o Senhor fez redução dela de Mosteiro em Igreja Secular (...)”. (1)
Conforme nos refere o documento, em 1455, por determinação do Arcebispo de Braga, a Igreja do Mosteiro de St.a Maria de Gondar passa a secular, isto é, passa a ser a Igreja matriz de Gondar. Foi seu primeiro pároco Pedro Afonso, o mesmo clérigo que, em 1470, fez a oferta da imagem de St.a Maria de Gondar que se venera, atualmente, na nova Igreja Paroquial.
Cruzeiro do Mosteiro - Gondar
Como qualquer Igreja Paroquial, esta também devia ter nas proximidades o seu Cruzeiro. Estes simbolizavam a autoridade paroquial, o poder eclesiástico instituído e eram, por isso, símbolos da jurisdição paroquial.
Com reconhecido valor patrimonial e histórico, o cruzeiro do Mosteiro data da idade moderna (sé. XVII/XVIII). É constituído por um soco de três degraus de planta quadrada e um plinto quadrangular com chanfros oblíquos, no qual assenta uma coluna de fuste liso e de secção octogonal, com capitel cúbico com chanfros. A cruz é latina, lisa e de secção octogonal.
Com a construção da nova Igreja matriz, é também construído um novo cruzeiro junto da nova igreja.

(1)- Monsenhor José Ferreira, “Factos Episcopais de Braga”, vol. II, pág. 253.

Miguel Moreira

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Santo Amaro de Ovelhinha

SANTO AMARO DE OVELHINHA


Cronologia: séc. XVIII
Material: madeira policromada
Descrição: imagem masculina de vulto pleno.

Santo Amaro de Ovelhinha - Gondar
Figura de pé, em posição frontal, assente sobre base marmoreada de formato hexagonal.
O braço direito flete e ergue-se à altura do peito, estando o braço esquerdo igualmente fletido. Segura com a mão esquerda uma cruz.
Pé esquerdo ligeiramente avançado.
Corte em tonsura apresentando cabelo castanho e longas barbas da mesma cor.
Veste hábito negro em finas e ritmadas pregas até aos pés, sobreposto por manto com capuz, apertado no peito e nas mangas por botões dourados. Igualmente dourada a faixa que debrua o manto e o capuz.
Especial destaque ao tratamento das mangas que se alongam até à altura dos joelhos.
Na base, a legenda S.to Amaro.
Localização: Capela de Santo Amaro, no lugar de Ovelhinha, Gondar.

História e vida de Santo Amaro: Festejado a 15 de Janeiro, Santo Amaro - também chamado de Mauro - nasceu em Roma no século VI. De origem patrícia, era filho do senador romano Eutichio.
Com apenas doze anos de idade sai de Roma para o Monte Cassino, trazido por seus pais que, o entregam aos cuidados de São Bento, fundador da Ordem Beneditina, para que ali termine a sua formação. Verificando-lhe elevadas qualidades, corresponde de tal modo às expectativas do seu mestre, que se torna o seu homem de confiança e em pouco espaço de tempo, vai sendo encarado pelos outros religiosos como um exemplo a seguir. São Bento em reconhecimento dessas virtudes, escolhe-o para trabalhar na escola de jovens, anexa ao mosteiro de Monte Cassino.
São Gregório exaltou-o por se ter distinguido no amor, na oração e no silêncio, e que, a exemplo de São Pedro, foi recompensado pela sua obediência andando sobre as águas. Conta-se que certa vez um colega seu, de nome Plácido, estava a afogar-se longe de todos, no açude de Subiaco. São Bento teve a visão do perigo e pediu a Amaro que fosse salvar o irmão religioso: “Irmão Amaro, vai depressa procurar Plácido, que está prestes a afogar-se”. Obediente, Amaro pediu a São Bento que o abençoasse e, sem hesitar e com a graça de Deus, correu e andou sobre as águas sem se afundar, agarrou Plácido pelos cabelos e trouxe-o para a margem não se apercebendo sequer, Amaro, de ter saído de terra firme. Quando Amaro deu conta do que sucedera atribuiu os méritos ao seu mestre, São Bento. Teve portanto mais fé do que São Pedro que, por duvidar, se afundou nas águas do mar de Tiberíades.
Reconhecido o valor de Amaro, que cumpria tão bem o ideal da Ordem (dos beneditinos), o Patriarca dos monges incumbiu-o de importante missão: difundir na Gália (França) a Regra de São Bento, o que ele executou nos primeiros vinte anos do século VII.
Com alguma naturalidade, foi sendo encarado como o herdeiro espiritual de São Bento e seu eventual sucessor. Segundo uma tradição, foi mesmo Amaro quem ficou a substituir São Bento quando este foi viver para o Monte Cassino. A ele é atribuída a abertura da Ordem beneditina em França e a fundação do mosteiro de Granfeuil (Saint-Maur-sur-Loire). 
Faleceu em 584.
Miguel Moreira

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Vila Seca - Gondar


ALDEIA DE VILA SECA

um pouco da sua história

As origens de Vila Seca remontam, no mínimo, ao período da romanização. A prová-lo estão as descobertas, neste lugar, em 1904, de cerâmica comum romana, designadamente, um jarro, um potinho, um pote e um prato, em depósito no Museu Nacional de Arqueologia. Também em Tubirei, uma localidade muito próxima de Vila Seca, foram descobertos vestígios do que se julga ter sido uma necrópole romana. Pode, até, tratar-se de um castro romanizado. Aqui foram encontradas, em meados do século XX, bilhas, jarros, pratos, mós de moinhos manuais, pregos, um colar de ferro e castanhas. Material depositado no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso (1).
Também sabemos que muito próximo do local passava uma via romana que, bifurcando-se da via de Marancinho, seguia por Vilela, Vila Seca e Corvachã em direcção às minas romanas do Teixo.
Considerando o que acabamos de dizer, há mesmo quem ponha a hipótese de Vila Seca, aproveitando as condições do vale drenado pelo rio Fornelo, ter sido um vicus ou até uma villa romana (2).

Vila Seca, Gondar - Amarante
Escrever sobre Vila Seca sem referir a sua maior referência - a olaria – seria algo impensável. Não fosse essa a razão do nome pelo qual foi conhecida a aldeia durante largos anos – lugar de Paneleiros!
Manuel Teixeira (oleiro)
Com origens que remontam ao século XVII – a arte terá sido introduzida em Gondar por migrantes oriundos de terras distantes como São Martinho de Paus, na altura freguesia de São Martinho de Mouros. A partir de então, o trabalho do barro tornou-se a principal ocupação e meio de sustento das famílias do lugar até meados do século XX. Contudo, a dureza da profissão e os parcos rendimentos que dela advinham fizeram com que, paulatinamente, a actividade da olaria fosse abandonada. Em 1945 ainda se registavam 18 rodas a funcionar em Vila Seca, Rio e Corujeiras. Em 1962 já só restavam 4 oficinas e 6 oleiros a trabalhar. Em 1991 já só trabalhava um oleiro em Vila Seca, Manuel Teixeira. Atualmente, em Gondar apenas existe um oleiro a trabalhar e de forma esporádica, César Teixeira (3). Todavia, recentemente, tendo-se candidatado ao concurso das “7 Maravilhas da Cultura Popular”, o Barro Negro de Gondar recebeu, pelo Conselho Científico, o selo de nomeado na categoria de Artesanato, em concurso a realizar ainda este ano de 2020. Bravo, Gondar!
 Unidos na defesa da sua aldeia e unidos, tantas vezes, pelos casamentos entre famílias de oleiros, estes homens e mulheres também souberam estar unidos na luta contra as investidas que, em 1809, as tropas do exército napoleónico faziam contra as populações, durante a II Invasão Francesa. Os “Paneleiros”, como eram designados, são por diversas vezes elogiados pela sua bravura e valentia. Um autor da época refere-se-lhes como os “esforçados Paneleiros” quando em Mesão Frio se apoderaram de “quatro caixões de pinho, dous baús de couro e duas malas”, pertences do general  Loison (4).

Capela de Nossa Senhora das Dores - Vila Seca
A ligação de Vila Seca aos “Pascoaes” é outro tema que importa considerar. Um irmão do poeta Teixeira de Pascoaes, Álvaro Pereira Teixeira de Vasconcelos, herdou a Casa do Encontro e fez dela a sua residência. Pouca importância isso teria, não tivesse ele enriquecido a sua capela, de Nossa Senhora das Dores; descoberto e divulgado todo o espólio da necrópole de Tubirei; e, não menos importante, mandado construir um engenho de azeite, a “menina dos seus olhos” que ele próprio dirigia. Não esqueçamos que o lugar era um dos principais produtores de azeite da freguesia.

Museu Rural do Marão - Vila Seca (Gondar)
Já que se fala do engenho, é nas suas instalações que está instalado o “Museu Rural do Marão”. Inaugurado a 21 de Fevereiro de 2009, o museu, fiel às origens do edifício, manteve todo o equipamento relacionado com o engenho e reuniu um vasto espólio que inclui todo o tipo de alfaias agrícolas, móveis e utensílios domésticos, artesanato, carpintaria, olaria, e muito mais. Enfim, um local que preserva e mantém viva a memória das gentes de Gondar.
Também no ensino Vila Seca merece destaque: na década de cinquenta começa a funcionar, com duas salas, a escola primária de Vila Seca. Encerrada, recentemente, para as atividades lectivas, foi-lhe atribuída uma nova missão: perpetuar a arte de modelar o barro preto de Gondar.

UDCG em visita de estudo com alunos das escolas
Por fim, o desporto. Fundada em 8 de Janeiro de 1980, a União Desportiva e Cultural de Gondar tem a sua sede e campo de Jogos em Vila seca. Com uma intensa actividade, quer no âmbito desportivo quer no âmbito cultural, a UDCG tem desempenhado um importantíssimo papel na formação da juventude gondarense, designadamente na ocupação dos seus tempos livres.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que Vila Seca, pelo seu passado, pelo seu contributo na afirmação de Gondar, tem lugar merecido no podium dos lugares mais importantes da freguesia.

(1)- MOREIRA, Miguel, “Necrópole Romana de Tubirei”, Sentir Gondar, blogue, 2019.
(2)- DIAS, Lino Tavares, "Tongobriga", Monografia, Ipar, 1997, Lisboa.
(3)- VAZ, Hugo Miguel Soares da Costa, “Barro Preto de Gondar: o design na olaria tradicional”, tese de Mestrado, Instituto Politécnico do Porto, 1918, pg. 49.
(4)- P. F. de A. C. de M., “História Antiga e Moderna da Sempre Leal e Antiquíssima Villa de Amarante”, Edição do Autor, 1814, pg. 89.

Miguel Moreira

terça-feira, 7 de abril de 2020

Escola Primária de Ovelhinha - Gondar

ESCOLA PRIMÁRIA DE OVELHINHA


Denotando algum abandono, a Escola Primária de Ovelhinha, dado o seu valor histórico e arquitetónico, bem merecia melhor futuro. Construída nos primórdios do século XX, foi a primeira escola de raiz construída em Gondar.


Escola Primária de Ovelhinha - Gondar

Em 1898, o Estado abria concurso para apresentação de projetos para um novo plano de escola, com casa de professor. Recomendava-se que os projetos fossem concebidos para serem utilizados na sua execução os materiais e técnicas de cada região. Venceu o projeto da autoria do arquiteto Arnaldo Redondo Adães Bermudes. Refira-se que o autor, nomeado delegado à exposição Universal de Paris, em 1900, obteve com este projeto a Medalha de Ouro da Secção de Arquitetura Escolar.

Projeto de Escola tipo Adães Bermudes

Aprovado o projeto, construíram-se, no início do século, de norte a sul do país, centenas destas escolas que ficaram conhecidas por escolas-tipo Adães Bermudes. A de Ovelhinha-Gondar foi uma delas.
O projecto previa a habitação dos professores no centro superior do edifício, quando de duas salas, ou em uma das extremidades quando de uma sala, como é o caso da de Ovelhinha. Janelas e entradas ocupavam a fachada principal. Pretendia-se, desta forma, harmonizar o edifício, o meio e a criança, impondo uma dimensão estética que tornasse a escola um lugar mais atraente. Simultaneamente, afirmava-se a importância do professor pela visibilidade e dignidade que conferia à sua habitação. Três amplas  janelas asseguravam uma boa iluminação e o necessário arejamento das salas de aula.
Situada no centro da freguesia, a escola de Ovelhinha tinha apenas uma sala de aulas, para crianças do sexo feminino, e uma habitação para o/a professor/a. Para o recreio das crianças, contava com o amplo largo de Santo Amaro, ali mesmo ao lado.


Pormenor da Escola Primária de Ovelhinha - Gondar

Muitas foram as crianças que, ao longo de décadas, frequentaram esta escola que as marcou, positivamente certamente, para toda uma vida. É chocante, pois, ver o estado de abandono em que se encontra. Por esse país fora, tenho visto escolas do mesmo tipo que foram reconvertidas para os mais diversos fins: associações culturais, bibliotecas, sedes de Junta, casas da “memória”, alojamento turístico... A de Candemil, situada no centro da freguesia, é um bom exemplo disso.
É certo que a de Ovelhinha já não se mantém fiel à construção original. Nos anos oitenta, desfiguraram-na,  tendo-lhe acrescentado mais uma sala sobre a já existente. Porém, a parte original da escola manteve-se.
Será que este belo exemplar do património de Gondar está condenado à ruína? Espero bem que não. É uma questão de bom senso.

Miguel Moreira

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Lenda da Ponte da Aliviada


LENDA DA PONTE DA ALIVIADA


“Existe sobre o Tâmega, na região do Marco de Canavezes, uma velha ponte, a da Aliviada, à qual está ligada uma lenda curiosa e várias superstições populares.
Há muito tempo atrás, a velha ponte romana estava em vias de ruir. S. Gonçalo de Amarante, condoído pelas sucessivas catástrofes que a falta da ponte infligia às populações, decidiu construir uma nova que servisse toda a gente. O local da edificação foi escolhido por um anjo, que em sonhos indicou a Gonçalo em que ponto de Amarante deveria ser erguida para que bem servisse no presente e no futuro.
Uma outra razão, porém, levava o santo à realização da sua obra: competir com o Diabo, que andava a construir uma ponte identica na Aliviada.
A obra do Diabo estava perfeita e corria muito mais veloz do que a do Santo. Tendo consciência disto, o Diabo quis aborrecer S. Gonçalo obrigando-o a confrontar a sua ponte com a dele e convidou-o a visitar a obra da Aliviada.

Ao Santo agradou o convite, uma vez que andava cheio de curiosidade, e, por cortesia, retribuíu-o. O Diabo aceitou imediatamente, e quando viu a obra de S. Gonçalo desatou a rir. O homem, humilhado com as risadas desatinadas do outro, decidiu vingar-se, e como tinha aceitado visitar a obra da Aliviada, não quis perder mais tempo.
E lá foram de caminho, o Diabo conversando alegremente, o Santo intimamente preocupado com o que o esperava. Estava Gonçalo a pensar em como tiraria a sua desforra, quando o outro lhe apresentou a solução ao pedir-lhe que não benzesse a ponte. O Santo esteve a ponto de dar um salto de contentamento ante o que o Diabo lhe pedia. Com Esforço, dominou a sua alegria e prometeu não dar a benção à nova obra.

Ponte do Arco (Aliviada)
Realmente, frente à ponte da Aliviada, o Santo sentiu-se envergonhado: a sua obra comparada com aquela era mesquinha e amadorística. Assim, com mais razão ainda, começou a pôr em prática a sua vingança. Primeiro, elogiou muito a obra, depois passeou-se sobre a ponte, de um lado para o outro. E dando os parabéns ao Diabo pela bela obra que realizara, despediu-se dele levantando o seu cajado amodo de saudação, desenhando disfarçadamente uma cruz no ar, enquanto dizia:
- Se tu fosses por aqui, como vais por ali...
A ponte começou imediatamente a tremer até que ruíu com um estrondoso fragor. O Diabo, esse, correu dali para o alto de um monte, desatando a apedrejar o Santo e a vociferar palavras só dele conhecidas.
Na Aliviada existe um caminho para o Inferno e aí há tudo o que se dá ao Diabo, menos pão.
Diz a tradição que nesta ponte o Diabo frita sardinhas cujo chiadouro é ouvido por que passa.
A pessoa que cair à água debaixo da ponte, nunca mais aparece. Nesse mesmo sítio, pela meia noite em ponto, vagueia o seu fantasma embrulhado num lençol.
Segundo consta, quando um pai diz a um filho “diabos te levem!” à hora a que o padre diz na missa “Amem”, o Diabo leva a criança para a ponte da Aliviada. Depois é preciso lá ir o padrinho, a madrinha e um padre. O Diabo pergunta dentre os penedos:
- Como queres a criança? Como veio ou como está?
Se lhe respondem “como veio”, a criança sai bem; se lhe dizem “como está”, sai negra e comendo bichos, que é o sustento que o Diabo lhe dava.”

Frazão, Fernanda, Lendas Portuguesas, vol. 1, pp. 77-80, Ed. Multilar, Lisboa, 1988