domingo, 17 de outubro de 2021

O Engenho do Linho da Feitoria (Amarante)

 

Uma das mais nobres e raras matérias primas na confeção de vestuário e outras peças de uso doméstico era o linho.

Até à confeção do tecido, o linho percorria um longo caminho que, só por si, tornava este produto caro e exíguo e que, por isso, possuí-lo era privilégio apenas de alguns. As peças de linho (colchas, lençóis, toalhas, camisas...) eram utilizadas apenas em dias festivos ou momentos especiais e, habitualmente, faziam parte do enxoval que as mães ofereciam às noivas suas filhas.

Do longo ciclo do linho, falamos, hoje, da sua moagem.

Depois de colhido e ripado para lhe extrair as sementes ou linhaça, o linho era macerado através da curtimenta que consistia em submergir-lo em poças de água, onde permanecia imerso durante 8 a 10 dias. Esta operação era indispensável para se poder obter a separação dos elementos fibrosos (têxteis) dos lenhosos.

Retirado da água, era posto a secar durante cerca de 15 dias. Só depois é que se procedia à sua moagem ou maçagem, assunto desta publicação.

Azenhas da Feitoria (à direita o engenho do linho)

Em que consistia e como era feita a moagem ou maçagem do linho?

Esta operação consistia em fraturar a parte lenhosa da planta de forma a facilitar a separação entre a componente lenhosa e as fibras têxteis.

Outrora era feita através da malha com mangual, um trabalho duro que, com o tempo, passou a ser feita em engenhos movidos por tracção animal, ou a água como o que a imagem documenta.

Moagem do linho (Feitoria - Amarante)

O da imagem fazia parte de um conjunto de azenhas na Feitoria, em Amarante, e movia-se por uma roda vertical movida pelas águas do Tâmega, desviadas através de um caneiro ou gola. Era constituído por um sólido cilindro ou tambor rotativo com a superfície periférica cortada por caneluras transversais, onde engrenavam uma série de roletes, também canelados, dispostos à sua volta. O linho era fraturado ao passar entre o tambor e os roletes, libertando assim as fibras de muitas das suas componentes lenhosas. Os banhistas queixavam-se da comichão provocada pelas arestas libertadas pela moagem e que iam rio abaixo. De salientar, também, que estes engenhos tinham apenas uma cobertura, sendo abertos dos lados para que o vento espalhasse as arestas libertadas, tão incómodas para as pessoas.

A moagem era sazonal, feita nos meses de verão, altura em que o linho, depois de macerado e bem seco, estava em condições de ser moído. Também os meses de verão, fora do período das cheias, eram os mais aptos para que no rio Tâmega fossem montados estes engenhos de maçar. Para acautelar as máquinas, estas poderiam depois ser desmontadas e guardadas durante o inverno.

Para além do engenho da Feitoria, nas imagens, há notícia de outros instalados nas margens do Tâmega. Em meados do século vinte, licenciados pela Direcção de Hidráulica do Douro, existiam engenhos de maçar na Granja (Rebordelo), em Varões (Gatão), Frariz (Lufrei) e em Gondeiro (Salvador do Monte). Existiu também um junto das Azenhas da Varziela (Amarante). (1) E segundo o inquérito realizado, em 1855, pela Junta Geral do Distrito do Porto, existiam no município de Amarante treze engenhos de maçar o linho tocados a água e dezassete utilizando força animal. (2)

Engenho do linho (Feitoria - Amarante)

Em ruínas, as azenhas da Feitoria estão votadas ao mais completo abandono. A cultura do linho passou a estar submetida à grande indústria e a sua moagem a ser feita em moinhos acionados a electricidade ou motores de combustão, caindo  em desuso os antigos processos de moagem em moinhos hidráulicos.

(1)- Abrantes, Joaquim Roque, Património etnográfico afectado pela barragem do Torrão, Lisboa, 1985, p. 121.

(2)- Relatório da Junta Geral do Distrito do Porto, 1855, Porto, 1856.

Miguel Moreira

Outras imagens das Azenhas da Feitoria

(o engenho do linho à direita, nas imagens)