quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

A Estalagem da Boavista, em Gondar

 

A localização, lado a lado com a estrada pombalina, a dimensão da construção, as portas elevadas do rés-do-chão para permitir a entrada de cavalos e outros animais de carga, as largas vistas sobre o vale do rio Carneiro, tudo isto fazia crer tratar-se de uma estalagem para viajantes que do Alto Douro e Beiras se deslocavam para o litoral. Faltava-me, porém, um documento que me retirasse as dúvidas.

Estalagem da Boavista (Estrada Pombalina - Gondar)

Estalagem da Boavista (Estrada Pombalina - Gondar)

Ora, consegui a tão desejada confirmação: o registo de um óbito ocorrido a 15 de Fevereiro de 1811, precisamente na estalagem da Boavista.

Óbito ocorrido na Estalagem da Boavista em 15/02/1811
Diz, o documento, o seguinte:

Na Estalagem de José Ribeiro da Boa-Vista desta freguezia de Santa Maria de Gondar, faleceo hum passageiro por nome Marcos que dizia ser da freguezia de Serafam da Comarca de Braga sem Sacramentos, por ter morte emprevista e se dar com elle morto, aos quinze dias do Mês de Febreiro do Anno de mil e oitocentos e honze, e no mesmo dia de tarde foi sepultado dentro do Alpendre desta Igreja, e para constar fiz este termo... O R.or Manuel Guedes de Carvalho.”

Óbito ocorrido na Estalagem da Cabana em 5/01/1813

Melhor, ao pesquisar o registo de óbitos da freguesia de Gondar no século XIX, deparei-me com outro óbito, este ocorrido na Estalagem da Cabana. Existiram, assim, pelo menos duas estalagens em Gondar: uma na Boavista, outra na Cabana. Sobre a da Cabana, diz o documento: “no dia sinco do mês de Janeiro do anno de mil oito sentos e treze, faleceo na estalagem da Cabana desta freguezia hum homem cujo nome e terra se nam sabe, o qual tinha passado para sima na companhia de hum ourives e dava a demonstrar que teria pouco mais ou menos quarenta annos... Foi sepultado no adro desta Igreja de Santa Maria de Gundar...”

Recorde-se, a propósito, que a estrada pombalina que, por Amarante, ligava Mesão Frio ao Porto, foi mandada construir pela Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, sob os auspícios do Marquês de Pombal, e a sua construção terá ocorrido entre finais do século XVIII e princípios do Século XIX. A sua principal finalidade era ligar, por estrada, o Douro ao Porto, tornando-se, deste modo, ponto de passagem para inúmeros viajantes, sobretudo ligados ao comércio dos vinhos do Douro. As duas estalagens mencionadas, junto à estrada pombalina, acolhiam os muitos viajantes nas suas demoradas e, muitas vezes, atormentadas viagens.

Miguel Moreira

Para mais informações, consulte:

https://pesquisa.adporto.arquivos.pt/details?id=537432

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

SALVADOR DO MONTE: a primitiva igreja e um insólito acontecimento

Documento da maior importância para a história da freguesia de Salvador do Monte, a “Memória Paroquial”, redigida em 1758, dá-nos, entre outras coisas, preciosas informações sobre a história da sua igreja, a saber:

“Esta igreja (Salvador do Monte) estava nos seus princípios situada no outeiro mais alto que tem esta freguezia donde se mudou para o sítio donde hoje está. Longe das casa da residencia hum tiro de espingarda, mas tem pegadas humas casas que mandei fazer em que mora o cura. Foy mudada a igreja no anno de 1646 por ordem do senhor Bispo que entam era do Porto o Ill.mo D. Joam de Souza; apareceu no altar mayor uma conta de algarimo romano de que constava ser fundada a Igreja no dito monte no anno de ICXXII. Esta hoje a igreja para baxo do dito monte, mas em sitio agreste ...” (1)

Igreja de Salvador do Monte
Sobre o mesmo assunto, já em 1726, Craesbeeck nas suas “Memórias Ressuscitadas da Província de Entre Douro e Minho” dizia-nos o seguinte: 
“a igreja de São Salvador do Monte he abbadia do Padroado Real. Não tem sacrário he seu abbade hoje o Padre Alexandre de Queiros e Sousa. Tem somente huma capella fillial, a saber: Nossa Senhora de Mozellos. Não tem mais cousa digna de memoria em razão de que esta igreja foi mudada do sitio do alto do monte de Nossa Senhora de Louredo, para perto da residencia dos abbades, que he um citio muito mais abaixo do dito monte; e na antigua ficaram as campas das sepulturas, que haviam, e não são poucas; e ahi mesmo se levantou hum cruseiro de pedra, pera memoria de que naquele citio estivera  antiguamente a igreja e fora naquelle lugar sagrado; e no lugar de Louredo está no caminho hum padrão das almas, todo pintado, com sua caixa para as esmollas, que deixão os passageiros.” (2)

Que a primeira igreja de Salvador do Monte se situava no alto do monte e que, em 1646, foi transladada para o local onde hoje se encontra, perto da residência dos abades, é o que se pode concluir dos relatos destes dois importantes documentos.

Também sobre a mesma igreja, o “Archivo Histórico de Portugal”, publicado em setembro de 1889, relata-nos um insólito acontecimento que passo a transcrever não tanto pela sua originalidade mas pela minúcia da descrição, a saber:

“Em 29 de Maio de 1745, uns sacrilegos entraram na igreja de S. Slvador do Monte, e arrombando a porta do sacrario, tiraram d’ella o ciborio de prata, que levaram, espalhando as sagradas particulas pelo altar e pelo chão, achando-se umas nos pires das galhetas, outras n’um vazo e uma debaixo da pedra d’are. Levaram tambem a ambula dos santos oleos, que era de estanho, derramando-os sobre as mesmas particulas. De uma imagem de nossa senhora tiraram a corôa e a quebraram com grande incedencia, depois de conhecerem que era de latão.

Chegou esta notícia à cidade do Porto e logo d’ali sahiu o vigário geral com alguns desembargadores do senado, a syndicar do caso. A 18 de junho mandou o bispo publicar uma pastoral, para que na sé d’aquella cidade se fizessem preces com o Sacramento exposto, na segunda feira, 25 do dito mez, nos dois dias seguintes, e nos de 22, 23 e 24, em todas as igrejas do Porto e seus suburbios, como tambem em todas do bispado, depois de lhes chegar a noticia da mesma pastoral.” (3)

Considerando a sua importância e significado, publicaremos, oportunamente, na íntegra, a “Memória Paroquial de Salvador do Monte”, no ano de 1758.

Miguel Moreira

(1)- https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4240829

(2)- Craesbeeck, Francisco Xavier da Serra, “Memórias Ressuscitadas da Província de Entre Douro e Minho no ano de 1726”, Vol. II, pág. 69, Edições Carvalho de Basto L.da

(3)- https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/ArchivoHistorico/ISerie/ISerie_master/ArchivoHistoricodePortugal_SerieI.pdf

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Ponte do Rio / Outeirinho

 “Em 1874, próximo de Padornêllo, cahiu tão enorme porção de chuva que as águas cavaram a estrada, em alguns sítios, até à profundidade de 20 metros. Foi tão violenta a tempestade, que arrastou para a estrada tão grandes penedos, que, mesmo depois de quebrados a fogo, houve grande dificuldade em removê-los. Supõe-se ter sido uma tromba marinha que foi ali rebentar”. (1)

É desta forma que o “Archivo Historico – Narrativa da Fundação das Cidades e Villas do Reino...”, publicado em Setembro de 1889, descreve a tromba d’água que se abateu sobre toda a bacia do rio Carneiro, desde o Alto dos Padrões até Padornelo, no ano de 1874. De notar que entre o fenómeno meteorológico descrito (1874) e o ano da publicação (1889) medeiam apenas 15 anos, o que confere à descrição um grau elevado de veracidade.

Ponte do Rio / Outeirinho (Gondar)

Também um manuscrito do século XIX, existente na Casa das Figueiras, em Vilela, escrito pelo seu proprietário, à época, e publicado por “Gondar com Memória”, descreve, de forma bastante pormenorizada, a devastação provocada por uma grande tempestade, da seguinte forma: 
Manuscrito das Figueiras (Vilela)
(Créditos "Gondar com Memória)
“no dia 13 de dezembro de noute e minhecendo para o dia 14 hua grande tempesttade donde veiu hum denúvio de agoa levou hua ponte de pedra q avia no Riu p.ra passar p.ra o Outeirinho e Crugeiras e tambem todos os moinhos e pisões que avia da ponte que avia o fundo de Carneiro enthé à ponte d’Aliviada Só ficou 1 o pe da ponte do Riu e outro na ovelhinha q. he de M.el Ant.º de Andrade. 
Os açudes dos moinhos e campos não ficou nenhua..., e campos não deixou nenhum q. não arruinasse”, lê-se no documento.

Tudo leva a crer que o fenómeno descrito no “Archivo Histórico” é o mesmo que é relatado no manuscrito das Figueiras. Não seria muito plausível terem acontecido dois fenómenos semelhantes em curto espaço de tempo. Assim sendo, estamos perante dois documentos de grande importância para a História da ponte do Rio / Corujeiras.

Concluindo: em 1874 já havia uma ponte de pedra a ligar o lugar do Rio ao Outeirinho e Corujeiras; esta ponte foi completamente destruída pelas águas da enxurrada provocada pela tromba de água, "como se fosse um dilúvio" (lê-se no manuscrito); para a substituir construíu-se uma nova ponte em cantaria de granito que, embora modificada, ainda existe no local.

Ponte do Rio / Outeirinho (atual)

Traspondo o rio Carneiro, no lugar do Rio, a ponte liga a estrada M576, a partir de Vila Seca, à estrada N101, no lugar do Escondidinho. É constituída por um só arco, de volta perfeita, e originalmente era ladeada por uma graciosa balaustrada em granito (como se pode ver na imagem 1) de que foi espoliada, nos anos 80, e substituída por um corrimão metálico a fim de possibilitar a passagem de veículos automóveis. A meu ver, bem mais bonita na sua forma original.
Miguel Moreira

 (1)- in “Archivo Historico – Narrativa da Fundação das Cidades e Villas do Reino...”, 1.ª Série, N.º I, de Setembro de 1889, pág. 102.

https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/ArchivoHistorico/ISerie/ISerie_master/ArchivoHistoricodePortugal_SerieI.pdf