quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Acórdão da Relação sobre a Contenda do Cano das Freiras de Amarante (1793)


 

Nesta publicação não vamos falar de Gondar, mas de um inédito e caricato acórdão sobre uma contenda que opôs as Madres do Convento de Santa Clara de Amarante e os Frades do Convento Dominicano de São Gonçalo da mesma cicade.O juiz não se coibiu de colocar alguma malícia no texto do referido acórdão.

 É este o seu teor:

 ACORDAM DA RELAÇÃO SOBRE A CONTENDA DO CANO DAS FREIRAS DE AMARANTE

 Acordam da Relação, vistos os autos, etc., etc...

 As authoras D. Abbadessa, Discretas e mais religiosas do Convento de Santa Clara de Amarante, mostram ter um cano próprio por onde despejam as suas immundícies e enxurradas, o qual atravessa de meio a meio a Fazenda dos Frades Domínicos da mesma villa.

Provaram ellas, authoras, a posse em que estão de o limparem quando precisarem. Os réus, o Prior e mais religiosos do Convento de S. Gonçalo, assim o confessam, e se defendem, dizendo, que lhes parece muito mal que lhes bulam e mexam na Fazenda sem ser à sua satisfação; que conhecendo a necessidade da limpeza do cano das Madres, tinham feito unir o seu cano ao d’ellas para mais facilmente se providenciarem as couzas, por cujo modo vinham a receber proveito. Portanto, e o mais dos autos, vendo-se claramente que aquella posse só poderá nascer do abuso; vendo-se mais a boa vontade com que os réus se prestam e obrigam a limpar o cano das Madres, authoras, e que outro sim, da união resulta conhecido benefício, conclue-se visivelmente que há dúvidas e questões da parte das Madres, que podem nascer do capricho sublime, de um temperamento ardente, que preciza mitigar-se para bem de ambas as partes.

Pelo que, mandam que o cano das authoras seja conservado sempre corrente e desembaraçado, unido ou não unido ao cano dos réus, segundo o gosto d’estes, e inteiramente à sua disposição, sem que as freiras, authoras, possam intrometer-se no dia, na hora, nem nos modos ou maneiras da limpeza, a qual já fica entregue à vontade dos réus, que a hão de fazer com muita prudencia e bem, por terem bons instrumentos, seus próprios, o que é bem conhecido das authoras que o não negaram nem contestaram.

E quando aconteça, - o que não é presumível -, que os réus, de propósito ou por omissão, deixem entupir o cano das authoras, em tal caso lhes deixem o direito salvo contra os réus, podendo desde logo governar na limpeza do dito cano, mesmo por meios indirectos, usando de suspiros, e ainda usando do cano dos réus, procedendo primeiro a uma vistoria pelo juíz de fora, e com assistência de peritos louvados sobre os canos das authoras e réus.

 Pague-se as custas do processo, etc., etc.

 Porto, 11 de Novembro de 1793.



Mosteiro e Convento de S. Gonçalo de Amarante