quarta-feira, 8 de maio de 2019


Pintura Mural na Igreja do Mosteiro

de Santa Maria de Gondar


Foi Armando de Mattos quem pela primeira vez divulgou as pinturas de Gondar, apesar do avançado estado de ruína em que o edifício se encontrava já. Corria o ano de 1953 e este autor publicou uma série de fotografias realizadas alguns anos antes dessa data. 

Pintura Mural - Igreja Românica de Santa Maria de Gondar

"Durante muito tempo sujeitas às intempéries, delas nada mais sobreviveu até hoje além da pintura do intradorso do nicho da parede fundeira da abside. Foram aqui identificadas duas campanhas distintas, ambas bastante tardias. A segunda, a seco, foi executada diretamente sobre a primeira sem a presença de qualquer reboco. Segundo os técnicos da empresa Mural da História, a primeira camada corresponde a uma campanha barroca, conforme denunciam os enrolamentos e os motivos vegetalistas com grandes flores. A segunda camada, com uma linguagem mais simples, mostra almofadas envoltas por triplo risco, técnica usada para criar volume. No entanto, em 1953, Armando de Mattos ainda pôde identificar quatro pinturas. Na parede fundeira da capela-mor, ao lado do altar, do lado do Evangelho, São Lucas (a); na parede testeira da nave este autor identificou São Cristóvão, “figura gigantesca”, como convinha, e de elevada qualidade plástica (b), do lado da Epístola; um santo bispo, enquadrado por moldura, “rematada ao alto por vistoso frontão nitidamente renascentista, em cujo tímpano se vê, igualmente pintada, uma desconhecida madona” (c); e, por fim, Santo Antão, acompanhado por legenda que o identifica e cujo valor epigráfico permitiu a Armando de Mattos datar esta pintura de finais do século XV ou de inícios do século XVI (d). Além disso, conseguiu ainda este autor reconhecer alguns vestígios de pintura noutros pontos da nave, em camadas sobrepostas, pelo que considera que estas deveriam ocupar a totalidade das suas paredes (Mattos, 1953). Estas pinturas terão sido concebidas ao longo do século XVI (e)." (1)

 Em 1979, António Cardoso aludiu aos frescos que ainda eram visíveis na capela-mor, do lado do Evangelho. Tratava-se de uma imagem de São João Evangelista, de desenho firme, em tons escuros. Numa filactera a legenda João Evangelista. Molduras e zonas ladrilhadas, com cores comidas pelo tempo, eram ainda visíveis. (2)

Igreja Românica de Gondar - Pintura Mural

"Atualmente, apenas se conserva pintura mural no arcossólio que enquadrava o altar-mor. No intradorso do arco foram realizadas duas campanhas de pintura. Uma com folhas de acanto enroladas e grinaldas de flores, dois motivos característicos, respetivamente, da talha de “estilo nacional” (c. 1690-1725) e da de estilo joanino (c. 1725-1750). Como, aqui, estes motivos aparecem conjugados, podem indicar uma obra de transição do gosto ao modo do “estilo nacional” para o gosto joanino, ou seja, é possível que esta pintura tenha sido realizada algum tempo depois de 1725. A intervenção sobreposta é mais tardia e parece ter o objetivo de criar molduras, cujas formas sugerem a influência de um gosto rococó (gosto que se afirma entre nós depois do início do reinado de D. José I, em 1750), estimando formas finas (e não volumosas, como as de André Soares, que tanta influência tiveram no Minho, e que podemos apreciar na parede que envolve o arco triunfal da sacristia do Mosteiro do Salvador de Travanca, também no concelho de Amarante)." (3)

(1) – Lúcia Rosas e outros, “Rota do Românico”, 2014, pág. 299-316.
(2) – António Cardoso, “ A Igreja Românica de Gondar”, Câmara Municipal de Amarante, 1979, pág. 15.
(3) - Paula Bessa, “Pintura Mural na Rota do Românico”, edição Rota do Românico, 1.ª edição, 2012, pág. 21.

Notas:

(a) Segundo o autor, esta composição dataria do século XVI. Pelo facto de surgir representado com a cabeça de perfil e com auréola, Armando de Mattos (1953: 25) liga esta obra à oficina de Outeiro Seco (Chaves).
(b) A ausência do Menino pode, talvez , ser explicada por ter desaparecido parte da pintura (Mattos, 1953: 25).
(c) A figura, representando um santo bispo de uma qualquer ordem, surge mitrada e a segurar nas mãos um báculo e um livro. Poderá ser uma representação de São Bento ou de São Gonçalo ou, ainda, de Santo Agostinho (Mattos, 1953: 25).
(d) Além do caráter ingénuo do desenho, o autor valoriza o “interesse etnográfico” desta representação de Santo Antão por ser aqui “portador do símbolo da sua atitude de “advogado do vivo”. Como diz o povo, constituído por uma coleira com seu chocalho, que lhe pende do braço esquerdo” (Mattos, 1953: 26).
(e) Tendo em conta a má qualidade das fotografias editadas por Armando de Mattos e o facto de, para cúmulo, deixarem perceber a possibilidade de ter existido uma sobreposição de camadas, Luís Urbano Afonso (2009: 365-366) considera ser complicado proceder à filiação das pinturas destruídas dentro da produção de uma das oficinas que laborou na região, pelo que, na impossibilidade de dá-las a conhecer através da imagem, também nós optamos por lhes fazer apenas uma breve referência, isenta de qualquer desenvolvimento mais profundo.

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