quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A ESTRADA POMBALINA NA LITERATURA - CAMILO CASTELO BRANCO

A ESTRADA POMBALINA NA LITERATURA (III)

CAMILO CASTELO BRANCO

Camilo conhecia, como ninguém, os meandros desta estrada que, pelos Padrões da Teixeira, ligava Mesão Frio e Amarante:


“Acaso falávamos um dia nas estradas pitorescas, ladeadas de abismos alcantilados da província de Trás-os-Montes, e perguntou-me Valentim se eu conhecia os Padrões da Teixeira na estrada que vai de Amarante à Régua. 


Ponte sobre o rio Teixeira - Mesão Frio

Depois, escutando com a sua atenção muito enlevada de surdo, que era, as minhas reminiscências daquele espinhaço da serra do Marão, disse-me que seus pais e avós por alí tinham vivido e morrido em uma casa que está às cavaleiras do fraguedo nos espigões da montanha onde chamam Padrões da Teixeira. Eu sabia onde era. 


Fontanário na subida de Mesão Frio para Padrões da Teixeira

Está alí a poesia dos pavores supersticiosos. Resvalam umas escarpas crespas das rochas socavadas pelos cónegos. Sobre essas barrocas dependuram-se penedias acasteladas que parecem ir rolando da espinha das cordilheiras. Os carvalhos hirtos, desfolhados e retorcidos que vegetam das figas do penhascal, reverdecem quando o ardor do estio os desabrocha e queima com a mesma lufada de fogo. No inverno a corrente do rio Teixeira, lá no côncavo fundo, referve, cachoa e estorce-se, como uma serpente em cujas escamas verde-escuras não rutila uma flecha do Sol. A torrente galga o penedio das margens, rugindo a espaços como trovoadas longínquas. 


Alto de Quintela - Padrões da Teixeira

Aquelas solidões são como um pedaço do globo em que se estão germinando num silêncio pavoroso criações monstruosas. Eu passara por alí uma vez em uma noite eléctrica de Agosto, quando as faíscas se cruzavam abaixo dos meus pés, na voragem, onde abriam cavernas luminosas, e os trovões pareciam o estampido daqueles morros que se despedaçavam uns de encontro aos outros. Lembra-me ver então no topo da serra uma casa enormemente grande ao lampejo de um relâmpago que lhe dava projecções de sombras enormes.
Era a casa dos avós de Valentim Mascarenhas.”


Castelo Branco, Camilo, “Perfil do Marquês de Pombal”, Aletheia Editores, Lisboa, 2015, pág. 63.


Miguel Moreira (fotografia)