segunda-feira, 25 de março de 2019

A Vessada


A “VESSADA”


Estamos na época das "vessadas".
Sabe o que é a “vessada”?
O termo, de origem latina (verso are), significa remexer, lavrar (a terra). Na época medieval, tanto podia significar a “porção de terra que poderia manter ou sustentar um vassalo”, como “o serviço que se fazia ao senhor da terra, ou geira”. Nas Inquirições Reais, o termo encontra-se com frequência, significando, a maior parte das vezes, uma determinada porção de terra arável e fértil.
O Dicionário da Língua Portuguesa define vessada como “terra fértil e regadia” ou, ainda, como “terra que se lavra num dia, com uma junta de bois, antes da semeadura”. Em Gondar, há meio século atrás, era este o significado.

Vessada (fotografia de Eduardo Teixeira Pinto)

Sendo um trabalho colectivo, exigindo uma ou mais juntas de gado, que a maioria das casas não possuía, a lavoura, ou vessada, tomava um carácter especial, quase festivo, em que vizinhos e amigos participavam com o seu trabalho e o seu gado, sem outra remuneração além da refeição melhorada e da certeza da reciprocidade.
As vessadas faziam-se na Primavera, pelos meses de Março e Abril. Uns dias antes,
Fotografia de Eduardo Teixeira Pinto
cortavam-se os fenos, faziam-se as "bordas" e estrumavam-se os campos. Rogavam-se as pessoas e marcava-se  o dia.
No dia marcado, bem cedinho, começavam a chegar os trabalhadores e, depois do “mata bicho” com broa e aguardente, iniciava-se a “lavoira”. O lavrador, agarrado ao arado, comandava os trabalhos. Por ser um trabalho mais leve, o gado era guiado por um “moço” ou mulher. E as pacatas vaquinhas, uma pelo rego, outra pelo restolho, iam e vinham, puxando o arado de ferro, aproveitando todas as pausas para remoer a última erva.
Pelo meio dia, chegava a patroa com um açafate coberto com uma toalha de linho. Era hora da pausa par retemperar energias. Acocorados uns, outros sentados, cada um agarrava com suas mãos calejadas uma fatia de broa de milho, esperando a sua vez para pegar um pedaço de toucinho ou de bacalhau e encher o prato de arroz. Entretanto a cabaça do vinho ia passando de mão em mão.
Merenda comida regressava-se ao trabalho, que só terminava quando o sol se punha.
Cansados, e depois uma boa malga de caldo, os trabalhadores regressavam a suas casas. Porém, pouco era o descanso, pois, outras vessadas tinham de se feitas até que todos os campos da aldeia fossem lavrados e semeados.
Não era fácil a vida nesse tempo, mas alegria era coisa que não faltava.

Miguel Moreira (texto)
Eduardo Teixeira Pinto (fotografia)

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