terça-feira, 31 de março de 2020

Os Bois de Dona Loba


OS BOIS DE DONA LOBA (lenda)


“Andava Frei Gonçalo ocupado com a construção da ponte quando depara com a necessidade de carrear umas pedras — algumas de avantajadas dimensões.
 Para tais trabalhos nada melhor que umas juntas de bois que, atrelados a umas zorras, fariam o transporte das pedras desde a pedreira até à obra.

 
Paço de Dona Loba em Mormilheiro - Amarante
Era do seu conhecimento que a uns três quilómetros — mais propriamente no lugar do Mormilheiro, em Padronelo — vivia uma senhora fidalga, de sua graça D. Loba, que tinha muitas e anafadas rezes. Sabia também que amiudadas vezes andava de candeias às avessas e não era de fácil trato, para além de ser somítica. Movido por uma vontade e fé inabaláveis, meteu pés ao caminho e, humildemente, bateu ao ferrolho dos pesados portões da Torre. D. Loba ao saber da presença do frade mandou-o entrar e, sem mais delongas, quis saber o porquê de tão inesperada visita.
 
Frei Gonçalo sobre a ponte
Frei Gonçalo pô-la ao corrente das suas preocupações e necessidades ao que D. Loba, com ar muito simpático e falsa modéstia, diz:
 - Pois bem Frei Gonçalo, se precisa de umas juntas de bois, leve os que precisar daqueles que estão além no pasto.
 Frei Gonçalo olhou em volta, reparou que eram bois em estado selvagem e, sem demora — antes que a fidalga se arrependesse e voltasse com a palavra atrás — pediu uma estriga de linho a uma mulher que ali estava a fiar e, após esta lhe ser entregue, logo se transformou numa corda. Dirigiu-se aos bois, chamou-os e jungui-os como se fossem mansos, para espanto da fidalga e seus criados.
 Após longos meses de trabalho, uma vez que já não eram precisos, resolveu devolvê-los. Chegado à Torre foi muito bem recebido. Agradecido o favor a D. Loba, perguntou-lhe:
 - Vossa senhoria como deseja os bois?.., como eram ou como estão?
 A fidalga, após tantos meses de trabalho, julgando que os animais estavam magros e mal tratados e sem pensar nas palavras do frade respondeu: 

 - Como eram.
 A pergunta de Frei Gonçalo não estava relacionada com o aspecto físico dos bois mas sim com o seu estado temperamental (como eram “selvagens”; como estão “domesticados”).
 A esta resposta Frei Gonçalo devolveu os bois ao pasto que logo ficaram selvagens e entregou a D. Loba a corda que, ao tocar-lhe nas mãos, se transformou numa estriga de linha pronta a ser fiada.”

Patrício, António, Lendas de S. Gonçalo, Paróquia de São Gonçalo, Amarante, 2009

segunda-feira, 30 de março de 2020

Vale de Fratura do rio Carneiro


O VALE DE FRATURA DO RIO CARNEIRO


Sabia que Gondar se situa numa zona de fratura?
Sim, foi essa a conclusão de um estudo que, tendo em conta as características do vale do rio Carneiro (Fornelo), admite tratar-se de um vale de fratura.
Vejamos as principais conclusões desse estudo:

“Quando procedemos ao levantamento geológico da região de Amarante, um dos primeiros aspectos que chamou a nossa atenção foi a regularidade do talvegue do rio Fornelo, quase retilíneo.

Fratura do rio Fornelo (Carneiro) em Gondar
... Estão no mesmo alinhamento, quase retilíneo, o vale do rio Fornelo (ou Carneiro), o alvéolo de Padronelo, os dois talvegues das linhas de água que têm origem comum à altitude de 200 m (no lugar da Cruz), e que seguem sentidos opostos (uma tributária do rio Tâmega, outra do rio Ovelha), o vale onde serpenteia o ribeiro das Golas e o curso superior deste mesmo ribeiro, o qual se apresenta retilíneo a norte, onde toma o nome de ribeiro de Freixo de Cima.
Este alinhamento faz suspeitar a existência de fratura, tendo havido uma deslocação do bloco ocidental para NW, seguida de leve movimento de báscula.

Por efeito da referida fratura, que tem sensivelmente a direcção NW-SE, e se situa na linha Boavista-Padronelo-Amarante, a região ficou dividida em dois blocos, um oriental, a leste do talvegue do rio Fornelo, do qual faz parte a serra do Marão, e outro ocidental, a oeste do mesmo rio, que abrange a serra da Aboboreira.
Destes dois blocos, o ocidental ter-se-ia deslocado para NW, em ligeiro movimento de báscula, segundo a nossa interpretação da morfologia local. A existência de duas grandes aplanações, a de Corvachã e a de Castelo, a estarem relacionadas com o mesmo período de estabilidade, o que é de supor, mostram hoje um desnível de cerca de 35 m.
... Um outro elemento importante veio confirmar a existência de fratura, ou seja, o filão de quartzo interrompido e deslocado junto ao rio Fornelo, por alturas da povoação de Carneiro. Este filão vem da região de Baião, entra na de Amarante, passa aproximadamente a 400 m a SE do vértica de Touta e interrompe-se bruscamente ao atingir o rio Fornelo. A continuação do filão aparece 750 m a SE da interrupção, no lugar de Vendas. Junto à margem direita da ribeira de Jogal, cujo talvegue, em parte retilíneo, deve ter como causa primeira a fratura que, posteriormente, foi preenchida pelo quartzo, originado o filão de que estamos tratando.
... O vale de fratura, na zona correspondente à quase totalidade do rio Fornelo, apresenta-se retilíneo e enquadrado por vertentes ásperas, o que está de acordo com o estabelecimento de vales desta natureza. A faixa estreita de rocha esmagada ao longo da falha condicionou o escavamento retilíneo do vale até à povoação de Moutas.
A este vale segue-se uma depressão, o alvéolo de Padronelo, certamente originada em relação com zona de maior esmagamento ou fraturação. Notemos que a existência das falhas permitiu infiltrações abundantes que amoleceram a rocha subjacente. Por outro lado, de início, quando a falha voltou a jogar, o prosseguimento do rio Ovelha deve ter encontrado certas dificuldades, dada a interrupção do vale pelo deslocamento já citado de um dos blocos. A confirmar a existência de um nível mais alto das águas, são de citar os pequenos depósitos de argilas, calhaus rolados e sub rolados observados na estrada Amarante-Mesão Frio, por alturas de Palmazões, às altitudes de 160 e 170 m (10 e 20 metros acima do rio).”
Fonte:
FERNANDES, A. Peinador, O Vale de Fractura de Rio Fornelo-Padronelo-Amarante, Separata do “Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da faculdade de Ciências”, p 139-147, Lisboa, 1960.

domingo, 29 de março de 2020

Lenda do Penedo dos Cornudos

LENDA DO PENEDO DOS CORNUDOS


Na localidade de Travanca do Monte, em Amarante, há uma rocha com fama de desvendar se a sua parceira lhe é fiel ou infiel: o penedo dos cornudos.

“Fiel ou infiel? A resposta, em Travanca do Monte, é dada por uma pedra: o Penedo dos Cornudos. Na fria e amorável aldeia de Travanca do Monte, na Serra da Aboboreira, há uma volumosa rocha granítica. Os mais velhos dão-lhe um nome curioso: Penedo dos Cornudos. Porquê? Porque lhes dá luz acerca da fidelidade ou infidelidade das suas mulheres.

Travanca do Monte - Amarante
Dizem as pessoas de maior idade que ali iam os homens saber se as mulheres se estavam a comportar de acordo com a promessa católica que fizeram.
Uma pedra que mexe? Poderá ser essa a explicação para as tradições que giram à volta do Penedo dos Cornudos. No que toca ao ritual feito, ouvi duas versões: uma primeira, que defendia que todo o rapaz que ali passasse teria de olhar o penedo de cima a baixo, e atirar-lhe um pedregulho para garantir que a esposa não lhe seria infiel; e uma segunda, que afirma que todo o homem deveria atirar um pedregulho, sim, mas que esse pedregulho teria de se manter em cima do penedo, e por cada um que caísse, essas foram as vezes em que a mulher tinha sido infiel.
Não querendo dizer que a primeira versão está errada, parece-me mais provável que a segunda fosse a mais verosímil de se agarrar às crenças de Travanca do Monte – não só por se assemelhar mais a ritos já vistos noutras terras portuguesas, como também pelo número de pequenas pedrinhas que, com alguma dificuldade, conseguimos contar no seu topo.
É difícil descodificar este rito que se instalou por aqui. Conheço vários penedos ao qual ficaram associadas tradições ligadas à fecundidade, mas sempre alimentadas por mulheres – já falámos da Pedra ou Rocha dos Namorados, no Alto-Alentejo, e conheço outro muito semelhante no caminho para o Santuário da Senhora de Anamão, em Castro Laboreiro.
No entanto, o Penedo dos Cornudos, sobretudo se visto pelo lado norte, enquadra-se naquilo que se conhece, em Portugal, como uma Pedra Baloiçante, ou seja, uma rocha que, naturalmente ou por mão humana, está colocada em cima de uma outra.
Nesse sentido, conseguimos construir pontes entre este afloramento de granito e alguns outros que se encontram nestas situações particulares. As Pedras Baloiçantes, pela forma que têm (a pedra superior mal se encaixa na inferior), são famosas por se mexerem caso lhes toquemos, e em muitos casos, a forma como se mexem é, nas crenças locais, anunciadora do futuro.
Há dezenas de exemplos, maioritariamente no centro e no norte do país, de rochas que, pelo movimento que fazem, dizem à pessoa que a empurrou qual a direcção do seu destino em relação a determinadas situações da vida – sendo a sorte, o amor, e a morte, os temas mais desejados de ouvir.
O Penedo dos Cornudos, embora pesadíssimo e por isso difícil de se mover, poderá ir buscar o ritual de anunciar a fidelidade ou infidelidade de alguém a essas pedras que baloiçam e decidem fados, localizadas um pouco por todo o país.

O Penedo dos Cornudos hoje

Penedo dos Cornudos - Travanca do Monte (Amarante)
Na verdade, quando perguntei por ele em Travanca do Monte, apenas a terceira idade mo soube apontar. Perguntei por ele a um senhor que guiava um tractor, que parecia andar pelos cinquenta anos de idade, bem como a um outro com aparência de quarentão, e ninguém percebeu do que é que falava.
Fiz o mesmo a duas mulheres e a um homem que estavam seguramente acima dos oitenta e nenhum deles teve dúvidas quanto à pedra de que falava.
Se por um lado isso mostra que a tradição de se atirar pedras à rocha estagnou e se ficou por determinada geração, isso parece ser negado pelo facto de, em bicos dos pés, conseguirmos descortinar vários calhaus pequenos em cima do penedo.
Pessoalmente, penso que se este hábito tivesse cessado há dezenas de anos atrás, não se veriam tantos pedregulhos por lá – pelo declive e exposição ao vento que o rochedo tem, a maioria já teria caído.
De resto, sejamos ou não cornudos, e queiramos ou não atirar-lhe pedrinhas, poderemos sempre dirigir-nos lá porque conhecer Travanca do Monte vale a pena.
Se corrermos a aldeia toda, passando o cemitério e deixando-o do nosso lado direito, há uma estrada de terra batida que nos dirige até ao penedo. Ele fica no limite norte da terra, e de lá, não havendo nevoeiro, temos vista desabrigada para as neves invernais da mítica Serra do Marão.”

Fontes: VortexMag.net e portugalnummapa.com
Miguel Moreira

quarta-feira, 25 de março de 2020

Manuel Teixeira (oleiro)

MANUEL TEIXEIRA

O ÚLTIMO OLEIRO DE PROFISSÃO DE GONDAR


Filho de Joaquim Teixeira e de Ana Teixeira, a 30 de Junho de 1925, nascia, no lugar de Vila Seca, Manuel Teixeira. Era neto paterno de Claudino Teixeira e Antónia Nogueira, do lugar do Outeirinho, e materno de Francisco Monteiro e Emília Teixeira, do lugar de Vila Seca.

Manuel Teixeira "Claudino", oleiro
De família de oleiros, a arte foi-lhe ensinada pelo seu pai, filho de Claudino Teixeira, também oleiro. Este, por sua vez, ter-se-há iniciado com o sogro Paulo Pereira, oleiro do lugar de Corujeiras. Manuel Teixeira era, assim, descendente de uma família de oleiros, tendo nascido “no barro” como ele próprio afirmava. Além disso, o seu irmão António, quinze anos mais velho, também trabalhava na arte.
O trabalho do barro não era uma tarefa fácil. Exigia diversas atividades que, para além do fabrico da louça propriamente dito, íam desde a extracção e transporte do barro  e à recolha da lenha para as soengas, até à cozedura da louça e à sua venda. Assim, enquanto os pais se dedicavam às tarefas mais complicadas, os filhos, desde muito novos, ajudavam nas tarefas mais simples como o transporte do barro e a recolha das lenhas. Daí que, desde muito novos, os filhos se familiarizassem com o a arte do barro. Foi o caso de Manuel Teixeira (Claudino) que, a patir dos seis, sete anos, começou a ajudar os pais e fazer as primeiras peças, à semelhança do seu irmão mais velho, António.
Manuel “Claudino”, como era conhecido, trabalhou como oleiro até à sua morte, em Julho de 2010. Participou em diversas feiras e certames no país e, até, no estrangeiro, tendo sido um dos maiores divulgadores da arte do barro preto de Gondar. E, enquanto vivo, não deixou de ensinar a sua arte, que praticava com toda a dedicação e mestria, a todos que a quiseram aprender, entre os quais César Teixeira que é quem, atuamente, mantém ainda viva esta tradição, que tanto orgulha as gentes de Gondar.

Miguel Moreira

segunda-feira, 23 de março de 2020

Mortos, em Gondar, na II Invasão Francesa


RELAÇÃO DOS MORTOS, EM GONDAR, NA II INVASÃO FRANCESA

Após vários dias de ocupação da cidade de Amarante, onde cometeram as maiores atrocidades, as tropas napoleónicas conseguem transpôr a ponte de S. Gonçalo, a dois de Maio de 1809.
Depois,  a fim de garantir uma possível retirada do exército francês para Espanha através das Beiras, tentam controlar toda a margem esquerda do Tâmega, nomeadamente a estratégica estrada pombalina que, pelo Cavalinho, conduzia a Mesão Frio e à Régua. É neste contexto que as tropas francesas, comandadas pelo sanguinário Loison, conhecido por “Maneta”, aterrorizam as populações, atacando-as, incendiando as suas casas, pilhando os seus haveres e matando todos os que se opunham às pilhagens.
Gondar foi das freguesias mais sacrificadas.
Segundo os registos paroquiais da época, só em Gondar, registam-se 27 óbitos. Os mortos foram tantos que 24 dos defuntos tiveram de ser sepultados nos campos, pois o cemitério (na Igreja Paroquial do Mosteiro) não tinha capacidade para todos. Só nos lugares de Ovelhinha e Real, os mais sacrificados, houve 9 mortos, um terço do total.

Ruínas da II invasão francesa em Ovelhinha - Gondar
Era, à época, Reitor de Santa Maria de Gondar, o padre Manoel Guedes de Carvalho que registou o Termo dos óbitos que passo a transcrever:

“Termo de declaração dos falecidos nesta freguezia de Santa Maria de Gondar pella invasão dos Franceses de dois de Maio do anno de mil oito centos e nove atté sua expulsão.
Aqui se acham sepultados pelos campos e montes da minha freguezia, mortos pellos franceses.

Freguezes desta freguezia

Lugar d’Aldea

Manoel Nunes do Soco, sepultado dentro da Igreja pela piedade de Joaquina Nunes e Manoel Pereira do lugar do Mosteiro.

Mosteiro

Maria Lourenço, viúva, sepultada dentro da Igreja pelos mesmos acima.
Domingos de Freitas, sepultado dentro da Igreja pelos mesmos acima.

Areas

João Teixeira, solteiro, sepultado no campo.
Manoel José, viúvo, da Sahida, sepultado no campo.

Quintam

Manoel de Sousa, solteiro, sepultado no campo.
Manoel José, homem de Izabel Alves, sepultado no campo.

Vilella

José Caetano, homem de Maria Josefa, sepultado no campo.
Manoel Alves, viúvo, sepultado no campo.

Villa Seca

Manoel Carvalho, homem d’Anna Monteiro, sepultado no campo.
Maria Vieira, mulher solteira, sepultada no campo.

Rio

Manoel Ribeiro de Magalhães, viúvo, sepultado no campo.
José Pereira, solteiro, sepultado no campo.
José da Motta, homem de Maria Josefa, sepultado no campo.

Outeirinho

Manoel Luís Leite, solteiro, sepultado no campo.

Corujeiras

José Pereira, solteiro, sepultado no campo.
António Luís Leite, homem de Maria Pereira, sepultado no campo.

Real

Manoel Guedes d’Oliveira, solteiro, sepultado no campo.
Manoel Taveira, solteiro, sepultado no campo.
José Taveira Bastardo, homem de Anna Monteiro, sepultado no campo.
João Pereira, homem d’Anna Pinheiro, sepultado no campo.
Anna teixeira, mulher de Daniel Pereira, sepultada no campo.

Ovelhinha

João Pereira Cardoso, homem d’Anna Cardoso, sepultado no campo.
Pedro Nogueira, homem de Maria Josefa, sepultado no campo.
Francisco Ribeiro, homem d’Anna Pinto, sepultado no campo.
Manoel d’Abreu, homem d’Anna Pereira, sepultado no campo.

Larim

Manoel José e sua mulher Maria Luiza, ambos sepultados no campo.

E para constar dos falecimentos dos meos freguezes (...) fiz este Termo aos vinte e sinco dias do mez de Maio do anno de mil oito centos e nove.

O R.or Manoel Guedes de Carvalho



Uma pesquisa de Miguel Moreira
para “Mem Gundar” e "Sentir Gondar"