quinta-feira, 16 de maio de 2019

Memória Paroquial de Carneiro


MEMÓRIA PAROQUIAL DE CARNEIRO (1758)

(AMARANTE)

Da Memória Paroquial de Carneiro, redigida em 1758 pelo Vigário Paulo Ferreira Vellas, salientamos os parcos recursos da freguesia e a sua diminuta população (cento e cinquenta e sete "pessoas de sacramento"). O número de “vizinhos” dos seus oito lugares, oscila entre os dois (no lugar do Assento) e os doze (no lugar de Vendas). 
Interessante e pormenorizada é a descrição do rio Carneiro que nasce na freguesia e que, por isso, é aqui designado de “piqueno regato”. Tem pouco peixe, "huas escalinhas piquenas e alguas trutas", mas permite alguma agricultura nas suas margens "porque passa por entre caminhos". 
De salientar, também, que era senhor donatário de Carneiro o abade de Vila Chã do Marão.
Vejamos, então, o que nos diz a “memória”, assinada pelo vigário Paulo Ferreira Vellas:

“Fica esta freguezia na Província do Minho, Na Comarca de Villa Rial, he Concelho de Gestaço, Termo de Guimarains.
He senhor donatário onde apresentam o Reverendo Abbade de Villa Cham, o Reverendo Bernardo Pinto Brandam.
Tem so dous vezinhos, estes bem próximos a Casa da Rezidencia. Tem pessoas de sacramento cento e sincoenta e sete.
Nam tem termo seu; tem oito Lugares que bem a ser, o Lugar do Acento que tem dous vezinhos e a Casa da Rezidencia como fica dito, o lugar da Barzia que tem coatro vezinhos, o lugar do Figueiredo que tem cinco vezinhos, o lugar do Cavo que tem três vezinhos, o lugar das Vendas que tem doze vezinhos, o lugar de Albergaria que tem coatro vezinhos, o lugar de Sima de Villa que tem cete vezinhos, o lugar do Outeiro que tem cete vezinhos.
Esta cituada em hum vale entre montes. Nam se descobre della povoados alguns, mais do que montes e giestas. Tera de comprido (…) hua legoa e de largura meia legoa.
Está esta parochia fora dos lugares, no principio da Freguezia so com dous vezinhos.


Igreja Matriz de Carneiro - Amarante

Seu orago he S. Martinho de Carneiro, tem so três Altares, no Altar mor esta S. Martinho de hua parte e da outra S. Sebastiam, em meio delle, o Santissimo Sacramento. Nos colaterais da parte direita esta Nossa Senhora do Rozario e da parte direita, digo da parte esquerda esta a Senhora da Conceiçam e o Santo Nome de Deus. Nam tem naves. Tem hua Confraria ou Irmandade de Nossa Senhora do Rozario.


Cruzeiro de Carneiro
O Parocho he Vigário ad Natum. Tem de rendimento certo dez mil reys em dinheiro, dous alqueires de trigo, duas libras de cera, dous almudes de vinho; o que tudo junto com o pé de altar poderá render, hum ano por outro, sincoenta mil reys. Rende a dizimaria para o abade duzentos mil reys.
Os frutos que a terra produz com mais abundância he milho maiz ou milham, outro nome centeio, algum vinho pouco.
Serve-se do correyo da villa de Amarante, parte na quinta feira, recolhe-se no domingo.
Dista desta freguesia a cidade de Braga dez legoas e dista a capital do Reyno cecenta legoas.
Passa por esta freguesia hu piqueno regato que tem o seu nascimento junto os Padroes da Teixeira que dista daqui meia legoa. Nasce logo caudelozo  carregado com suas correntes por ter o seu nascimento em hu alto; corre do nascente ao puente.Todo o anno corre, porem de bram com pouca abundancia de agoa.
Desde esta freguesia para sima não hay peixes de calidade algua, para baixo hay huas  escalinhas piquenas e alguas trutas. As pescarias nelle sam livres para quem quer pescar.
Cultivam-se as suas margens costeiras porque passa por entre camiños.
Pelas suas beiras ou arredores tem salgueiros, amieiros, com partes de silvas e carvallos.
Em distancia de hua legoa se vai meter em hu rio que chamam o rio de Gondar, e entra nelle a ponte de Larim.
Tem hua so ponte de pedra tosca sem guardas, a que chamam a ponte de Riba Carneiro.
Tem oito muinhos nos lemites desta freguesia.
Libremente uzam os frutos das suas agoas para o cultivo dos seus campos.
As poboações por onde passa he por esta freguesia, pella de Bustelo, e pella de Gondar.”
(…).
O Vigário Paulo Ferreira Vellas

Um trabalho de Miguel Moreira 

quarta-feira, 8 de maio de 2019


Pintura Mural na Igreja do Mosteiro

de Santa Maria de Gondar


Foi Armando de Mattos quem pela primeira vez divulgou as pinturas de Gondar, apesar do avançado estado de ruína em que o edifício se encontrava já. Corria o ano de 1953 e este autor publicou uma série de fotografias realizadas alguns anos antes dessa data. 

Pintura Mural - Igreja Românica de Santa Maria de Gondar

"Durante muito tempo sujeitas às intempéries, delas nada mais sobreviveu até hoje além da pintura do intradorso do nicho da parede fundeira da abside. Foram aqui identificadas duas campanhas distintas, ambas bastante tardias. A segunda, a seco, foi executada diretamente sobre a primeira sem a presença de qualquer reboco. Segundo os técnicos da empresa Mural da História, a primeira camada corresponde a uma campanha barroca, conforme denunciam os enrolamentos e os motivos vegetalistas com grandes flores. A segunda camada, com uma linguagem mais simples, mostra almofadas envoltas por triplo risco, técnica usada para criar volume. No entanto, em 1953, Armando de Mattos ainda pôde identificar quatro pinturas. Na parede fundeira da capela-mor, ao lado do altar, do lado do Evangelho, São Lucas (a); na parede testeira da nave este autor identificou São Cristóvão, “figura gigantesca”, como convinha, e de elevada qualidade plástica (b), do lado da Epístola; um santo bispo, enquadrado por moldura, “rematada ao alto por vistoso frontão nitidamente renascentista, em cujo tímpano se vê, igualmente pintada, uma desconhecida madona” (c); e, por fim, Santo Antão, acompanhado por legenda que o identifica e cujo valor epigráfico permitiu a Armando de Mattos datar esta pintura de finais do século XV ou de inícios do século XVI (d). Além disso, conseguiu ainda este autor reconhecer alguns vestígios de pintura noutros pontos da nave, em camadas sobrepostas, pelo que considera que estas deveriam ocupar a totalidade das suas paredes (Mattos, 1953). Estas pinturas terão sido concebidas ao longo do século XVI (e)." (1)

 Em 1979, António Cardoso aludiu aos frescos que ainda eram visíveis na capela-mor, do lado do Evangelho. Tratava-se de uma imagem de São João Evangelista, de desenho firme, em tons escuros. Numa filactera a legenda João Evangelista. Molduras e zonas ladrilhadas, com cores comidas pelo tempo, eram ainda visíveis. (2)

Igreja Românica de Gondar - Pintura Mural

"Atualmente, apenas se conserva pintura mural no arcossólio que enquadrava o altar-mor. No intradorso do arco foram realizadas duas campanhas de pintura. Uma com folhas de acanto enroladas e grinaldas de flores, dois motivos característicos, respetivamente, da talha de “estilo nacional” (c. 1690-1725) e da de estilo joanino (c. 1725-1750). Como, aqui, estes motivos aparecem conjugados, podem indicar uma obra de transição do gosto ao modo do “estilo nacional” para o gosto joanino, ou seja, é possível que esta pintura tenha sido realizada algum tempo depois de 1725. A intervenção sobreposta é mais tardia e parece ter o objetivo de criar molduras, cujas formas sugerem a influência de um gosto rococó (gosto que se afirma entre nós depois do início do reinado de D. José I, em 1750), estimando formas finas (e não volumosas, como as de André Soares, que tanta influência tiveram no Minho, e que podemos apreciar na parede que envolve o arco triunfal da sacristia do Mosteiro do Salvador de Travanca, também no concelho de Amarante)." (3)

(1) – Lúcia Rosas e outros, “Rota do Românico”, 2014, pág. 299-316.
(2) – António Cardoso, “ A Igreja Românica de Gondar”, Câmara Municipal de Amarante, 1979, pág. 15.
(3) - Paula Bessa, “Pintura Mural na Rota do Românico”, edição Rota do Românico, 1.ª edição, 2012, pág. 21.

Notas:

(a) Segundo o autor, esta composição dataria do século XVI. Pelo facto de surgir representado com a cabeça de perfil e com auréola, Armando de Mattos (1953: 25) liga esta obra à oficina de Outeiro Seco (Chaves).
(b) A ausência do Menino pode, talvez , ser explicada por ter desaparecido parte da pintura (Mattos, 1953: 25).
(c) A figura, representando um santo bispo de uma qualquer ordem, surge mitrada e a segurar nas mãos um báculo e um livro. Poderá ser uma representação de São Bento ou de São Gonçalo ou, ainda, de Santo Agostinho (Mattos, 1953: 25).
(d) Além do caráter ingénuo do desenho, o autor valoriza o “interesse etnográfico” desta representação de Santo Antão por ser aqui “portador do símbolo da sua atitude de “advogado do vivo”. Como diz o povo, constituído por uma coleira com seu chocalho, que lhe pende do braço esquerdo” (Mattos, 1953: 26).
(e) Tendo em conta a má qualidade das fotografias editadas por Armando de Mattos e o facto de, para cúmulo, deixarem perceber a possibilidade de ter existido uma sobreposição de camadas, Luís Urbano Afonso (2009: 365-366) considera ser complicado proceder à filiação das pinturas destruídas dentro da produção de uma das oficinas que laborou na região, pelo que, na impossibilidade de dá-las a conhecer através da imagem, também nós optamos por lhes fazer apenas uma breve referência, isenta de qualquer desenvolvimento mais profundo.