MEMÓRIA PAROQUIAL DE S. JOÃO DE VÁRZEA
(1758)
(AMARANTE)
Com data de 8 de Maio de 1758, a Memória Paroquial de S. João de Várzea, assinada pelo P.e Manoel Martins Maio, é um importantíssimo documento para a história da freguesia, no séc. XVIII.
A mudança da
sua Igreja, segundo uma provisão de 1744, das imediações da quinta do Paço, na margem direita do rio
Marão, para o local onde hoje se encontra, “por
causa da passage do rio... e a residência em muita distancia e da outra parte
do rio”, é, talvez, a informação mais importante deste documento. Refira-se que a "estrada real" (EN15) só foi construída mais de cem anos depois.
De salientar,
também, que a freguesia era constituída por apenas três lugares, Paço, S. Vicêncio e Paredes Secas, e que a sua população não ia além das cento e cincoenta e oito
pessoas e "a maior parte deles vivia de fazer carvam na serra do Maram e seos arrabaldes e em frabriquo de terras de meios, em razam de a maior parte das fazendas desta freguezia serem de dous senhorios que as compraram e abitam fora da freguezia e nesta nam há pessoas de qualidade".
A igreja de
São João de Várzea era curato da apresentação dos religiosos de São Martinho de
Caramos.
Passamos a transcrever o documento:
Passamos a transcrever o documento:
“Esta
freguezia de sam joam de Várgea do Maram esta cita na província de Entre Douro e
Minho, na comarqua de Guimaraes, no concelho de Jestaço; este he governado por
juiz ordinário, nele se escreve por Sua Majestade que Deos guarde, dista da
cidade de Lisboa sessenta legoas, he do Arcebispado de Braga, e da comarqua de
Villa Real, dista da cidade de Braga nove legoas.
Igreja Matriz de São João de Várzea - Amarante |
A Igreja he anexa jus prepetum ao Convento de São Martinho de Caramos; estes seos Relegiosos sam da Ordem de Santo Agostinho, Conegos Regulares da Congreguaçom de Sancta Crux de Coimbra; aos tais Religiosos se paguam dizmos, os povos desta freguezia esses estam obriguados a fatura e fabrica de toda a Igreja e Capella Mor e os moradores só poem as campas e banquos.
Esta tem só
o Altar Mor em que esta a imaje de Sam joam Bauptista e tem huma so confraria
do oraguo guarnecida pelos freguezes. Tem hum so arco entre a igreja e Capella
Mor. No dia do oraguo costumam vir a esta Igreja os clamores de três freguezias
vezinhas. O seu oraguo he sam Joam Bauptista.
No anno de
mil setecentos e corenta e coatro se alcançou provizam para se mudar a dita
Igreja para o cítio donde aguora está.
O Parocho
della he cura anual, tem obriguaçom todos os annos aprezentaçom ao Dom Prior do
Convento de Caramos e com ella pedir ao Reverendo Doutor desembarguador
viguario geral da comarqua de Villa Real que lhe mande passar carta de cura
para poder parochiar esta freguezia. Paga-lhe quem colhe os dizmos dez mil
reis, dous litros de sera, dous alqueires de trigo, dous almudes de vinho, e
coatrosentos reis para mandar lavar a roupa da igreja e mais tem o que rende o
pé de Altar que huns annos por outros quinze mil reis.
Igreja de São João de Várzea - Amarante |
No primeiro
valle desta freguezia contando do nacente está o Lugar do Passo em que abitam
dez moradores; junto acima desse valle no citio dos poços da Ribeira está hum
penedo coberto de serra pella parte do Norte e parte della descuberto pella
parte do Nacente donde sahem duas piquenas fontes para a parte do Nacente.
Nesse citio tem aparecido debaixo da serra louça de barro e huma panella de
metal de pouca valia.
Vindo desse
luguar caminhando para o poente em pouca distancia descendo hum piqueno oiteiro
esta outro lugar que chamam Sam Vicenso em que abitam desasseis moradores, este
tem huma fonte que corre do sul para o norte cuja agua he sadia tanto que nem
aos doentes faz mal; pera a parte do poente perto das casas como melhor citio
deste lugar está a Igreja em terra bem solheira, atendendo a todos os citios
desta freguezia.
Junto desse
luguar para o poente em distancia de meio coarto de legoa em que medeia hum
oiteiro esta outro luguar em que abitam onze moradores, chamam-lhe paredes
sequas; he muito falto de agoas, reguam seos frutos com poças ou presas; estam
as pessoas desse luguar sujeitas às missas de huma capella da Villa de Amarante
cita no convento diguo na Igreja do Convento de Santa Clara.
Tem esta
freguezia trinta e sete fogos e esses contem entre maiores e menores cento e
sincoenta e oito pessoas que a maior parte deles vivem de fazer carvam na serra
do Maram e seos arrabaldes e em frabriquo de terras de meios, em razam de a
maior parte das fazendas desta freguezia serem de dous senhorios que as
compraram e abitam fora da freguezia e nesta nam há pessoas de qualidade.
Tem esta
freguezia de comprido de nacente ao poente mais de meia legoa, de larguo de
Norte ao sul na cabeça do nacente mais de coarto de legoa.
Entre o
nacente e o norte digo e o sul entra nesta freguezia hum rio que corre de
nacente para o poente que em huma piquena parte dele a devide pelo meio ficando-lhe
pera a parte do norte da parte do dito luguar do Passo parte de huma quinta com
hum so morador desta freguezia que com esse tem esta freguezia trinta e oito
fogos.
Peguada às casas dessa quinta estava a Igreja
que por causa da passage do rio se mudou toda a mais freguezia e a residência
em muita distancia e da outra parte do rio. Este tem seos princípios na
serra do Maram que dista desta freguezia huma grande legua e enquanto corre
nesta freguezia lhe chamam o rio de Sam Joam de Vargea. Nos lemites desta
freguezia se junta com outro igual em tamanho e em princípios que corre do
Norte para o sul e athe se meter neste, e vam correndo pera o poente tomando o
nome das terras por donde passa athe se meter no rio Tamegua e desse toma o
nome em distancia daqui três léguas. Este rio devide a maior parte desta
freguezia de duas vezinhas pela parte do Norte.
Tem este rio
dez piquenas levadas, sinco servem para reguar os campos e para hum muinho, as
outras sinco só servem pera sinco moinhos. Os moinhos por todos sam seis todos
de moer pam. Todas estas levadas saem pera a parte do sul na coal lhe fiqua
esta freguesia, menos huma que sai pera a parte do Norte que he toda da quinta
acima dita.
Todos os
moradores desta freguesia regam livre nesta com estas levadas menos os do dito
luguar de Paredes que lhe nam contam as levadas às suas terras.
Tem este rio
três pontes, todas formidáveis por altas e compridas e estreitas; duas mais
formidáveis por passar o rio no citio dellas por grandes penedos e fazer
grandes cachoens no tempo do inverno. A passage mais frecoentada se passa por
poldras.
Corre este
rio com alguma velocidade por passar por terra nam muito encostada. A caça que
tras sam trutas, boguas, enguias, tudo meudo e pouco criado, por levar de veram
pouca aguoa. Suposto em nenhuma parte seca pelas terras lavradias por onde
passa. Está de huma e de outra parte cerquado de arvores de amieiros,
salgueiros, silvas e erveiras. Pela parte já cultivada está cercado de fraguas
e penedos e por todo o lastro pedra meuda. Nele se caça livremente quem pode e
quer menos no lemite da dita quinta que passa pelo meio della, ficando-lhe huma
parte pera o Norte e outra pera o sul que por ser do capitam Mor deste concelho
lhe guardam respeito.
As terras
lavradias desta freguezia produzem milham e milho e painço, feijam, vinho
verde, landre, castanha pouca, azeite pouco. Os seos montes estão todos partidos
em bouças e de nove em nove annos produzem dahi urgueira, jesta… Neles pastam
cabras, ovelhas poucas por nam serem ervosos, gado grande há pouco pa lavrar as
terras por nam aver pastos.
Em muitos
tempos do anno corre vento do nacente que destroe os milhos e uvas que se dam
nas árvores.
A caça sam
coelhos, perdizes, raposas.
Serve-se
esta freguezia do correio da villa de Amarante que dista huma grande leguoa;
parte na quinta feira para a cidade do Porto, e na segunda pera Villa Real."
Asigno, Sam
Joam de Vargea de março 8 de 1758.
Miguel Moreira (pesquisa e fotografias)
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