quarta-feira, 1 de abril de 2020

Lenda da Ponte da Aliviada


LENDA DA PONTE DA ALIVIADA


“Existe sobre o Tâmega, na região do Marco de Canavezes, uma velha ponte, a da Aliviada, à qual está ligada uma lenda curiosa e várias superstições populares.
Há muito tempo atrás, a velha ponte romana estava em vias de ruir. S. Gonçalo de Amarante, condoído pelas sucessivas catástrofes que a falta da ponte infligia às populações, decidiu construir uma nova que servisse toda a gente. O local da edificação foi escolhido por um anjo, que em sonhos indicou a Gonçalo em que ponto de Amarante deveria ser erguida para que bem servisse no presente e no futuro.
Uma outra razão, porém, levava o santo à realização da sua obra: competir com o Diabo, que andava a construir uma ponte identica na Aliviada.
A obra do Diabo estava perfeita e corria muito mais veloz do que a do Santo. Tendo consciência disto, o Diabo quis aborrecer S. Gonçalo obrigando-o a confrontar a sua ponte com a dele e convidou-o a visitar a obra da Aliviada.

Ao Santo agradou o convite, uma vez que andava cheio de curiosidade, e, por cortesia, retribuíu-o. O Diabo aceitou imediatamente, e quando viu a obra de S. Gonçalo desatou a rir. O homem, humilhado com as risadas desatinadas do outro, decidiu vingar-se, e como tinha aceitado visitar a obra da Aliviada, não quis perder mais tempo.
E lá foram de caminho, o Diabo conversando alegremente, o Santo intimamente preocupado com o que o esperava. Estava Gonçalo a pensar em como tiraria a sua desforra, quando o outro lhe apresentou a solução ao pedir-lhe que não benzesse a ponte. O Santo esteve a ponto de dar um salto de contentamento ante o que o Diabo lhe pedia. Com Esforço, dominou a sua alegria e prometeu não dar a benção à nova obra.

Ponte do Arco (Aliviada)
Realmente, frente à ponte da Aliviada, o Santo sentiu-se envergonhado: a sua obra comparada com aquela era mesquinha e amadorística. Assim, com mais razão ainda, começou a pôr em prática a sua vingança. Primeiro, elogiou muito a obra, depois passeou-se sobre a ponte, de um lado para o outro. E dando os parabéns ao Diabo pela bela obra que realizara, despediu-se dele levantando o seu cajado amodo de saudação, desenhando disfarçadamente uma cruz no ar, enquanto dizia:
- Se tu fosses por aqui, como vais por ali...
A ponte começou imediatamente a tremer até que ruíu com um estrondoso fragor. O Diabo, esse, correu dali para o alto de um monte, desatando a apedrejar o Santo e a vociferar palavras só dele conhecidas.
Na Aliviada existe um caminho para o Inferno e aí há tudo o que se dá ao Diabo, menos pão.
Diz a tradição que nesta ponte o Diabo frita sardinhas cujo chiadouro é ouvido por que passa.
A pessoa que cair à água debaixo da ponte, nunca mais aparece. Nesse mesmo sítio, pela meia noite em ponto, vagueia o seu fantasma embrulhado num lençol.
Segundo consta, quando um pai diz a um filho “diabos te levem!” à hora a que o padre diz na missa “Amem”, o Diabo leva a criança para a ponte da Aliviada. Depois é preciso lá ir o padrinho, a madrinha e um padre. O Diabo pergunta dentre os penedos:
- Como queres a criança? Como veio ou como está?
Se lhe respondem “como veio”, a criança sai bem; se lhe dizem “como está”, sai negra e comendo bichos, que é o sustento que o Diabo lhe dava.”

Frazão, Fernanda, Lendas Portuguesas, vol. 1, pp. 77-80, Ed. Multilar, Lisboa, 1988

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