LOUÇA DE BARRO PRETO DE GONDAR:
NEM TUDO SÃO ELOGIOS!
Um documento manuscrito de 1803, “A Memória Económica-Agrícola de
Riba-Tâmega”, assinado por Francisco de Azevedo Coelho de Magalhães, pinta de negro a louça de barro preto de Gondar, que classifica de "muito má", "muito grossa" e “indigna”.
Lê-se no documento:
“... numa grande parte do concelho de
Gestaço que confina com o rio Tâmega, padecem um gravíssimo prejuízo a lavoura,
a sociedade e as Rendas Reais pela “fábrica” – “melhor dissera tráfico” – da indigna loiça que ali se trabalha.
Deixam-se de adubar as terras para
crescerem os matos a fim de haver lenha para os fornos de cozer loiça. Gasta-se
imenso tojo ou lenha e cansam-se ou fatigam-se os gados – que deveriam estar
ocupados na lavoura – no amassar e preparar dos barros. Os ditos povos possuem
“imensas campinas” de tojo – que deveriam ser semeadas de “grãos” – não pagando
assim os tributos que recaem sobre a produção das terras, sendo então menos
onerados do que se agricultassem as terras. Os de Gestaço, que se ocupam daquele
ofício (e causam imenso prejuízo à madeira), empregam no fabrico das loiças
“quase todos os braços” e os gados, “já em a manobrarem, já em a conduzirem
para diferentes terras e feiras”. Esta produção, que ocupa os braços e gados
necessários à agricultura, deveria ser proibida – com excepção da “telha que se
faz junto ao Cávado e Tâmega” e que é excelente. Inversamente, a “loiça deveria
ser proibida”: quer porque é muito má e muito grossa, quer porque é tão ou mais
cara que a da fábrica de Aveiro, que é muito melhor. Esta loiça, quando se
tornarem navegáveis os rios desta província, “até poderá ficar em melhor conta
do que a de cá”. Como a loiça da dita fábrica, “ainda que melhor, não é capaz
de transportar para fora do reino, é justo que para a sua subsistência se lhe
dê consumo”. Só esta razão seria suficiente, ainda segundo o autor, para levar
avante a sua tese: não se deixar fabricar “esta indigna loiça de Ovelhinha”.
(1)
Louça de barro preto de Gondar |
Modelando o barro (Barro preto de Gondar) |
soenga (barro preto de Gondar) |
Comentário: É manifesta a profunda ignorância que o autor, Francico de Azevedo Coelho de Magalhães, revela em relação aos locais, processo de fabrico e comercialização da louça de barro preto de Gondar, a saber:
1- Destaca Ovelhinha como o centro produtor
desta louça, quando, na realidade, esse centro era Vila-Seca, a par dos lugares
do Rio, Outeirinho e Corujeiras. Ovelhinha ocupava um lugar secundário.
2- Fala em “fornos de cozer loiça”,
quando, pelo que sabemos, o processo utilizado sempre foi o de “cozedura em
soenga” e não em fornos.
3- Depreende-se da exposição do autor
que as pessoas abandonavam o amanho das terras porque a olaria lhes traria
maiores rendimentos. Ora, sabe-se que a venda das loiças produzidas por estes
esforçados oleiros apenas lhes permitia um nível misérrimo de vida, associando, muitas vezes, o trabalho na arte com o amanho de um pouco de terra.
4- O autor diz que "se empregam neste ofício quase todos os braços e gados", o que não é verdade já que as louças eram, a maior parte das vezes, levadas para as feiras e outros locais de venda por mulheres, em cestos que transportavam à cabeça.
4- O autor diz que "se empregam neste ofício quase todos os braços e gados", o que não é verdade já que as louças eram, a maior parte das vezes, levadas para as feiras e outros locais de venda por mulheres, em cestos que transportavam à cabeça.
(1)- Estêvão, João Antunes, “A
Memória Económico-Agrícola de Riba-Tâmega” (c. 1803), in Actas do II Congresso
Histórico de Amarante, I vol., Tomo II, Câmara Municipal de Amarante, 2009,
pp.199-200.
Miguel Moreira (texto)
Fotografias de Mariana Sá
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