sexta-feira, 11 de setembro de 2015

GONDAR NA OBRA DE AQUILINO RIBEIRO


Aquilino Ribeiro, na obra "A Casa Grande de Romarigães", faz-nos uma interessante descrição da subida, pela antiga estrada pombalina, desde Cavalinho até Carneiro. Vejamos:

Cavalinho (Gondar - Amarante)

“… Para lá de Cavalinho começou a escalada. De momento a momento, as mulas tinham de retesar os jarretes e especar-se para subir. E, como as seges eram pesadas, obrigavam os cavalos a um passo mais vagaroso que o dos próprios sendeiros. Aproveitando-se da rédea lassa, por vício que não por fome, iam dando aqui e além a sua ripada às ervas que medravam pelas rampas e aos pâmpanos das videiras que descaíam dos cômoros para o caminho.
À mão esquerda começava a inscrever-se o vale alpestre, com seu cultivo de renovos e de vergel, marinhando na vertente oposta, até meia altura, a avaliar pela barra de verde. Do meio para cima era mato e pedegrulhal. Em baixo, nas pequenas chapadas reluzia a telha vermelha dalgum moinho, dum ou doutro casal, e por toda a parte as águas faiscavam como cutelos ao cair dos socalcos. Tanto nas arribas, a um lado, como na vertente oposta, à mão direita do caminho, a terra vessada refulgia com a Primavera.
As duas carruagens agora subiam a encosta com dificuldade e desesperadora lassitude. Ainda não teriam andado metade do caminho que vai de Amarante até Quintela, e tanto o cocheiro de Luís de Azevedo como o dos fidalgos de Ponte de Lima esfaltavam-se a estalar o chicote sobre o lombo das muares, com vozes de incitação:
- Ih, mulas! Ih! Ides a rezar… Eu dou-vos a reza!
Andando, andando, a encosta tornou-se mais íngreme, com voltas apertadas e cegas, e à mão esquerda mais profundos os despenhadeiros. Num e noutro ponto, o piso esbarrondara-se, e via-se lobreguejar através do alçapão o fundo do abismo. Casebres, lá de raro em raro, e poviléus, Bostelo, Rechãozinho, Curvaceira, não maiores que acampamentos de ciganos, diziam que ali não era ermo absoluto. E a cada passo a água se despenhava em lançadas oblíquas, em cutelo, ou de jacto, perdida pelos regos e os charcos, cantarolando a sua ladainha.
A ascensão, a partir de Noveleiros, tornou-se ainda mais de costa-arriba, se era possível, e já os carros em certos pontos, além de emperrar, patinavam… “.

Aquilino Ribeiro, A CASA GRANDE DE ROMARIGÃES, Livraria Bertrand, Lisboa, 1963.

Sem comentários:

Enviar um comentário